Crítica: Porta dos Fundos: Contrato Vitalício (2016)
Porta dos Fundos: Contrato Vitalício é sem graça e não conta com o sarcasmos, humor inteligente e sacadas que caracterizaram o grupo.
Ficha técnica:
Direção: Ian Sbf
Roteiro: Gabriel Esteves, Fábio Porchat
Elenco: Fábio Porchat, Gregório Duvivier, João Vicente de Castro, Thati Lopes, Antonio Pedro Tabet, Marcos Veras, Júlia Rabello
Participações especiais: Alexandre Ottoni “Jovem Nerd”, Deive Pazos “Azaghal”, Xuxa Meneghel, Sergio Mallandro, Naldo Benny
Nacionalidade e lançamento: Brasil, 30 de junho de 2016
Sinopse: O ator Rodrigo junto com o diretor Miguel ganham um inesperado prêmio em Cannes. Nas comemorações Rodrigo assina um contrato vitalício com o amigo Miguel para estrelar todos os filmes dele. Após 10 anos desaparecido Miguel retorna completamente maluco e Rodrigo é obrigado a atuar em um longa totalmente bizarro.
Porta dos Fundos e fenômeno são palavras que corriqueiramente vemos na mesma frase. E não é à toa… eles possuem mais de 12 milhões de inscritos e é o maior (em quantidade de seguidores) canal do Youtube brasileiro e um dos maiores do mundo.
Quantidade nem sempre é qualidade, mas aqui é. Eles revolucionaram o jeito de fazer vídeos com uma produção realmente profissional. Logo vieram micro séries dentro do próprio canal e uma série exibida originalmente na Fox, além dos polêmicos especiais de natal (todos excelentes). E polêmica é uma coisa que sempre rodeou a trupe. E eles continuaram fazendo piada com “tudo”.
Já no filme a história muda bem de figura. É uma produção vazia. As piadas são muito mais físicas (no estilo um personagem jogando uma mangueira com lama e fezes no outro) do que o humor ácido que marcou o grupo. O mote da história poderia possibilitar algo interessante e eu até tinha esperança durante as primeiras cenas. Elas não eram maravilhosas, mas pensei: “ok, eles estão aquecendo, daqui a pouco irei rir”. Infelizmente, após o começo apenas regular, a coisa foi de mal a pior…
O roteiro é vergonhoso. Eles tentam fazer alguma alusão ao absurdo de Monty Python e o tiro sai muito pela culatra. Muita gente não gosta (outros amam) o estilo exagerado do Fábio Porchat. Ele aparece o tempo inteiro em tela. Mais contido que o normal, ainda assim sendo Fábio Porchat em vários momentos… e acreditem: isso é o menor dos problemas.
A história é de um absurdo tal que não convence nem com uma suspensão de descrença ligada no máximo. Recentemente publiquei a crítica sobre Ele Está de Volta. O filme em questão traz Hitler de volta aos dias atuais. Em momento algum criticamos a fantasia do longa e isso se dá graças à qualidade do roteiro de transformar aquele absurdo em piada. Porta dos Fundos: Contrato Vitalício tem um absurdo que é transformado em tédio. Os personagens ali não são críveis e não estabelecemos quaisquer conexões com eles.
Os personagens são fracos e completamente unidimensionais. Miguel é o louco que acredita que foi abduzido. Fernanda a vlogger sem conteúdo. Otacílio um detetive psicopata e sanguinário. Luciano um mendigo caladão e esfomiado. Denise uma preparadora de elenco durona. Lorenzo o exemplo do jornalista de revista de fofoca. Ulisses o empresário que só pensa em dinheiro….
Tem algumas piadas que são repetidas com constância. Como a do Ulisses (Luis Lobianco) ao celular com atores famosos ou então da Fernanda (Thati Lopes) tirando fotos para o Snapchat. Ambos os personagens basicamente só fazem isso o filme inteiro e já na primeira vez não tem graça, na 28ª então…
Logo no começo há uma crítica aos filmes de festival, os chamados filmes “cults” ou cinema de “arte”. O personagem do Gregório Duvivier diz que odeia quando o filme é russo, em preto e branco e o protagonista é deficiente ou gay. A alfinetada é boa e poderia servir como disclaimer para o próprio longa que estamos vendo. Mas a desculpa de ser só um besteirol ou um blockbuster não pode servir de muleta para se fazer um filme ruim. Vide o exemplo de Deadpool. O longa mais besteirol do ano e quase entrou na minha lista de melhores de 2016.
Tecnicamente Porta dos Fundos: Contrato Vitalício não comete erros crassos. A edição é fluida (apesar da finalização de algumas cenas não ter um acabamento devido), o design de produção é ok e o som e fotografia estão condizentes com a proposta. O grande problema, como falei, é o roteiro que abaixa a nota geral para quase zero. E isso reverbera nos atores. Estes não têm material para trabalhar e não podem ser culpados pelo desastre. Aliás a referência à Fátima Toledo, famosa preparadora de elencos, poderia ser mais bem aproveitada. A ideia é boa, mas a execução…
Porta dos Fundos: Contrato Vitalício é decepcionante. Fazer um filme sobre um filme era poder rir de si mesmo e teria muito campo para ter esquetes curtas sem soar um recorte solto, mas tal elemento não é utilizado (justiça seja feita, em momento algum o filme se parece com uma esquete alongada – até porque as esquetes do grupo costumam ter graça).
Uma das provas de que o filme não estava no caminho certo é que inserir propaganda de uma forma inteligente sempre foi uma marca da equipe (vide o caso do Spoleto). No filme há uma propaganda da Oi que é muito fraca. Miguel diz: “não quero ninguém dizendo Oi no meu filme”, então alguém o chama e ele responde: “oi?”…
Eu realmente não consigo crer que os mesmos caras que fizeram vídeos como Sobre a Mesa, Deus e séries como a sobre AIDS e a do Mágico Gonzales tenham colocado no ar Porta dos Fundos: Contrato Vitalício. Acho que os membros reais do Porta foram abduzidos… e tal como no filme, talvez o Brasil tenha chance de um prêmio internacional, mas no caso não seria Cannes, mas sim o Framboesa de Ouro.