Crítica: Fogo no Mar
Fogo no Mar foi o vencedor do Urso de Ouro no Festival de Berlim deste ano.
Ficha Técnica:
Direção e roteiro: Gianfranco Rosi
Nacionalidade e lançamento: Itália, França 2016 (28 de abril de 2016 no Brasil)
Sinopse: documentário que mostra o cotidiano da ilha de Lampedusa, localizada entre a África e a Europa. O local serve de travessia de emigrantes africanos. Paralelo às histórias deles vemos o dia a dia do Samuele, um garoto, morador da ilha, que faz as atividades como outra criança qualquer.
Fogo no Mar não é um filme fácil, palatável e que vai agradar a todos os públicos. Ao mesmo tempo, ele traz uma linguagem quase ficcional para um documentário. O jeito que o dirtetor Gianfranco Rosi conduz a câmera faz com que você esqueça do gênero do filme e embarque na narrativa.
Não temos entrevistados olhando para a câmera com frequência e tampouco entrevistas. A política da aparente não intervenção de Rosi nos brinda com uma história muito crível, ironicamente por parecer com o cinema “tradicional” de outros gêneros e menos com um documentário.
Os que se arriscam na travessia chegam vindo de guerras, fome, regimes ditatoriais e no caminho enfrentam intempéries naturais e condições sub-humanas. O drama daquelas pessoas nos é trazido de forma crua. A morte ou o estado muito próximo disso, como em graus altos de desidratação, dá uma noção ao público do que aquelas pessoas vivem.
Ver o garoto Samuele brincando com o estilingue ou indo à escola soa até fora do tom, mas o cotidiano dele é bem-vindo e dá um peso ainda maior àquela situação. E o “personagem” é interessantíssimo. Ele é curioso, criativo e carismático. E a presença do menino se consolida na simbologia do que ocorre com o olho dele. Ele é obrigado a criar um novo jeito de enxergar as coisas, e não é exatamente essa a proposta/pedido do diretor para com o público?
O ritmo do filme às vezes pesa um pouco e a repetição de algumas cenas cansa. Tem hora que as imagens e até o drama dos envolvidos pouco acrescenta e o filme perde força de um jeito considerável.
Mas é quase um absurdo apontar falhas aqui. Com dó no coração o faço. Já que há um primor no já citado estilo de filmagem. A abordagem é muito humanizada. O crescimento e a vida de um garoto e a quase abstração numérica e o cheiro de morte dos refugiados. O mar é um cenário com camadas e significados diferentes para aquelas pessoas e torna algo mais complexo para o público.
O mérito deste longa é tamanho que foi reconhecido com o prêmio principal em um dos mais respeitados festivais de cinema do mundo, o de Berlim.
Fogo no Mar provoca, instiga e nos faz refletir e sentir. Em raros momentos até divertir (como nas passagens com o radialista). E não são essas algumas das características que podem definir o que é o cinema de excelência? Coisas que só a realidade é capaz de transmitir com tamanha profundidade…