Crítica: Uma História de Loucura
Uma História de Loucura mostra as consequências de uma guerra para além das trincheiras.
Ficha técnica:
Direção: Robert Guédiguian
Roteiro: Gilles Taurand, Robert Guédiguian,
Elenco: Syrus Shahidi, Ariane Ascaride, Grégoire Leprince-Ringuet, Simon Abkarian
Nacionalidade e lançamento: França, 2015 (21 de abril de 2016 no Brasil).
Sinopse: A guerra entre armênios e turcos no início do século passado reverbera durante décadas. O jovem Aram entra na luta armada, que fica cada vez mais violenta. A família de Aram tem que lidar com as consequências das atitudes do rapaz abrigando uma das vítimas.
Uma História de Loucura começa explicando no letreiro inicial que existem outras formas de guerra. As guerras continuam em casa, por isso quando elas terminam não acabam de verdade. Essa introdução resume bem a proposta do longa: a mistura de aspectos macros e micros da consequência da violência, focalizando-se no segundo tipo, o familiar e sentimental.
O prólogo em preto e branco contextualiza o ocorrido no início do século: na Alemanha, Talaat Paxa, turco responsável pelo massacre de diversos armênio, é morto por um sobrevivente daquele genocídio, o Soghomon Tehlirian. Tehlirian é absolvido no tribunal e vira um herói armênio.
Décadas depois o peso daquele conflito ainda é sentido. Aram Alexandrian, francês de origem armênia, tendo como ídolo Tehlirian, se envolve na luta armada. Ele acaba ferindo o inocente Gilles Teissier.
A partir daí a história tem um bifurcação: o cotidiano da guerrilha, que conhecemos pelos olhos de Aram e a família dele lidando e abrigando Teissier. Mas ambos caminhos tendo que invariavelmente de se cruzar.
O tom, para um tema pesado, é leve. A trilha sonora, por exemplo, beira o que vemos em filmes de comédia. Esse aparente deslocamento é uma opção estilística de certo modo ousada do diretor Robert Guédiguian. Essa proposta, que se mostra acertada, tem como foco as relações humanas baseadas na alteridade. Em suma: ao nos vermos no outro, procurando entendê-lo, podendo nos reconstruir.
Esse viés só poderia resultar em personagens, narrativamente falando, fortes. E está aqui o grande mérito: o roteiro. A divisão dos personagens em tela, as motivações e caracteres de cada um e todo o peso que cada ação tem são mostrados ao longo da trama e bem trabalhados.
A estrutura do roteiro também é bem feita. Apesar de um pouco longo (o filme tem mais de duas horas), há uma boa divisão nos três atos. Na introdução vemos os personagens sendo apresentados de forma que entendemos aqueles universos: o do contexto histórico e o de cada personagem. O desenvolvimento traz a trama em si e as ações e o crescimento dos envolvidos despertam o interesse na medida que somos instigados a continuar na história. O clímax, mesmo que falhando um pouco na execução, vem para fechar de um modo bem satisfatório culminando em alguns desenlaces.
Por outro lado, há de fato, em alguns momentos, a perda de uma força dramática na construção das cenas. O elogio feito à direção pode ser ponderado neste sentido. De um modo geral, a abordagem não cai no melodrama, mas pontualmente ele escorrega nesse sentido.
A história na guerrilha (que hoje, e à época, pode ser considerada terrorismo) às vezes é engolida pelo drama familiar. Senti que faltou um pouco explorar mais esse lado. Todavia, o modo como o romance é construído naquele espaço é feito de forma orgânica e crível. A cisão na luta armada também é bem evidenciada e nos mostra os vários lados dentro de uma mesma ideologia.
Um diálogo sintetizou bem A História de Loucura para mim: um personagem repreende outro dizendo que “não é assim que se vira a página”. A resposta foi: “existem páginas que nunca viramos”.