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Coração, 1973

Kaneto Shindō é uma lenda do cinema japonês, faleceu com 100 anos, em 2012, trabalhou até 2010, foi condecorado com a ordem imperial da cultura do Japão em 2012, enfim, um hino para esse país, artisticamente um dos personagens mais importantes. Escreveu mais de 200 roteiros, dentre eles “Hachiko monogatari” (1987), que depois ganhou um remake com o Richard Gere chamado “Sempre ao seu Lado” e dirigiu 40 filmes, dentre eles destaco o “O Gato Preto”, filme de terror que anda de mãos dadas com todo um folclore do Japão.

 “Coração” ou “Kokoro” é adaptação de um dos livros mais conhecidos da literatura japonesa, do conceituado escritor Natsume Soseki. Há uma outra adaptação, mais antiga, de 1955, dirigido pelo Kon Ichikawa, um outro excelente filme, aliás, recomendo assistir os dois, pois eles são bem diferentes, o primeiro é mais sério, impactante, esse de 73 tem alguns momentos cômicos, é bem mais leve, o que não o torna ruim, de maneira nenhuma.
Conta a história de K, um estudante, que está a procura de uma casa para alugar. Ele encontra um quarto, em uma casa que mora apenas uma mulher e sua jovem filha, elas não estão bem financeiramente e precisam alugar o quarto. Ele consegue alugar, estabelece uma relação forte com as duas, beirando a amizade até se transformar em parte da família, começa a se apaixonar pela filha da dona da casa, no mesmo tempo que um amigo de infância começa a passar por dificuldades, K, com toda sua bondade, aluga o outro quarto para o amigo e os quatro passam a viver juntos. Cria-se um triângulo amoroso.
O triângulo amoroso se desprende daquela visão que temos, sempre respeitoso, delicado, causando um estranhamento, inicialmente, pois há, a cima da rivalidade, um carinho muito grande, entre os amigos e deles para com a garota. Em nenhum momento há tensões – tirando, talvez, o final – pelo contrário, a história é construída em base ao humor, mesmo aquele que parte de algumas ações que beiram, hoje, o tosco. Não chega a ser um problema para quem está acostumado com o cinema japonês e alguns dos seus exageros, ou melhor, para aqueles que estão dispostos a embarcar em uma cultura completamente diferente.
Existem diversos filmes de triângulo amoroso, não sei ao certo porquê mas eu gosto muito do tema, aprecio encontrar filmes de países diferentes falando sobre, pois há muito a influência da cultura no desenrolar, temos aqui algo com muito mais tradicionalismos. A própria dona da casa é envolta de um ar de sábia, aquela que dá as dicas da vida, observa com atenção e fala nos momentos certos. No final do filme temos alguma tensão, pois K está prestes a se casar com a moça, o amigo então se mata, o interessante é que ele não coloca na carta que o motivo é ela, de forma a não machucar tanto o amigo, enfim, há uma compreensão grande, mesmo que ele não consiga viver para ver isso. O problema é que K se sente perdido nessa situação, o que outrora era o seu motivo de continuar vivendo, depois da fatalidade se tornou apenas um fardo. Com inúmeras narrações em off, somos levados a algumas boas reflexões. Sem dúvida um outro bom trabalho do mestre Kaneto Shindō.

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