"Black Mirror"- 2011 - Cinem(ação): filmes, podcasts, críticas e tudo sobre cinema
Artigo

“Black Mirror”- 2011

The National Anthem – o primeiro episódio da Série Black Mirror do criador Charlie Brooker diz respeito à relação existente entre o mundo moderno e a tecnologia. Atualmente são tantas câmeras espalhadas pelo mundo, pelos países, pelas capitais, pelos Estados, que chegamos ao ponto de não termos mais controle sobre nossa privacidade. Neste caso, como lidar com tal questão acerca dos benefícios os quais a tecnologia nos traz, no entanto também, nos persegue com suas invenções e novidades?

Em seu livro Eichmann em Jerusalém, Hannah Arendt faz uma reflexão sobre banalidade do mal evidenciando que os seres humanos são capazes de realizar ações inimagináveis que, mesmo sem nenhuma motivação maligna, podem ter como consequência destruição e morte. Arendt faz uma análise da massificação que levou a implantação do processo de tecnificação, industrialização e consequente racionalização das decisões acerca das organizações humanas. Esse processo originado na idade moderna, que atinge seu apogeu na contemporaneidade, torna possível perceber que em detrimento da evolução humana, o critério que passa a reger o desenvolvimento social e o progresso técnico é a inovação tecnológica.

As discussões e deliberações, próprias do âmbito técnico e político – lugar onde o vínculo entre os homens se estabelece, através da articulação e do interesse pelo mundo comum e por si mesmos, são substituídas pela tecnologização, pela formalização e pela automatização dos processos decisórios. A instauração desse sistema e suas implicações na vida, na sociedade e na política contemporâneas, desvelando a percepção de que poder e dominação, agora mediados pelos processos técnicos, passam a atuar sobre aspectos das vida humana, tais como: informação, relações, produção e cultura; sendo deslocados da função de controle de consciência e vontade dos homens para o controle das condições e possibilidades de suas ações.

blackmirror

No primeiro episódio da série um membro da família real britânica, neste caso uma mulher – a princesa Susannah – é raptada e mantida refém. Sua liberdade será garantida a partir de uma condição: o primeiro ministro deve fazer sexo com um porco ao vivo em televisão nacional. Primeiramente temos alguns fatos a declarar. Um deles é que a pessoa raptada não é uma simples cidadã, e sim, uma princesa real, isto é, nada mais comum que os olhos do povo se atentem para tal notícia e com certeza a opinião pública deverá se comover com a situação, já que se Susannah não for resgatada ou seja, se o primeiro ministro não fizer o que foi proposto a ser feito, ela morrerá. O que nos deixa mais abismado com tal enredo é o fato de a demanda do sequestrador ser uma avassaladora falta de escrúpulos ao fazer o pedido do sexo entre um porco e um homem público. Quando ficamos cientes do que está realmente acontecendo o fluxo do nosso pensar é instantâneo, isto é, à beira de um confronto de ideias e conceitos, “como assim?” pensamos. “Um porco?” – disse pra mim mesmo quando vi o episódio. Mas qual o propósito? Uma brincadeira com o Estado, uma sátira para com o primeiro ministro? Acredito que não.

O mais interessante é o fato de que todas as decisões da cúpula governamental são baseadas na razão, em busca do sequestrador, em busca da solução desse sequestro, contudo, nada parece fluir, não há progressos no caso e o espectador fica de mãos atadas à espera do que possa acontecer, e de fato, o angustiante é ter quase certeza que o sexo acontecerá. A internet, como ferramenta fundamental no caso, é o start do avalanche de vizualizações contendo imagens da princesa sentada numa cadeira amarrada implorando por sua vida e sendo interlocutora de seu sequestrador para com o público. E o alcance quilométrico da tecnologia faz com que todas as pessoas que tenham acesso, atualmente a maioria, vejam as demandas e se deparem com o pedido estranho e bizarro. E o crucial: o humor. Sim, ele existe. A partir de toda essa loucura instaurada, todos atentos às suas televisões, em bares, pubs, o inevitável acontece, ou seja, risos, difamações, brincadeiras de mau gosto, uma tragédia sem fim, uma vez que o que está ocorrendo à vista de todos é algo surreal e vergonhoso, porém, a seriedade e a moralidade, de mãos dadas, juntam-se e dizem adeus aos acontecimentos e se escondem à beira da realidade.

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