Crítica: Clube de Compras Dallas
A rima temática que há entre a primeira e a última cena de “Clube de Compras Dallas” apenas reforça o que o filme realmente é: uma grande jornada rumo à transformação de um personagem.
Logo no início da projeção, vemos Ron Woodroof (Matthew McConaughey) nas sombras, embaixo da arquibancada, fazendo sexo com duas mulheres. O filme retrata como o personagem é: um homem que vive em um lugar sujo e fétido e dedica-se a beber e participar de encontros sexuais. Não é um criminoso, mas está longe de ser uma pessoa agradável.
O filme conta a história de um típico cowboy que se descobre com o vírus da AIDS e recebe a notícia de que viveria por mais 30 dias, no período em que a doença acabava de ser descoberta e pouco se sabia sobre ela.
O diretor Jean-Marc Vallée (A Jovem Rainha Victoria) realiza um filme eficiente em todos os sentidos: a direção de arte mostra não apenas o ambiente sujo da casa de Ron, mas também a simplicidade realista da casa da médica Eve (Jennifer Garner) e os elementos que mostram que o filme se passa nos anos 1980 sem se valer de exageros estilísticos ou figurinos chamativos. O roteiro de Craig Borten e Melissa Wallack consegue exibir toda a trajetória do protagonista sem nunca pender para o exagero. Quando o vemos se dedicar a estudar sua condição nova, compreendemos que trata-se de alguém capaz de estudar algo com afinco, e que apenas não teve uma boa oportunidade na vida que levava até o momento. O roteiro ainda dá espaço para outros personagens igualmente interessantes, como Eve, Rayon (Jared Leto) e até mesmo Tucker (Steve Zahn), que vive certamente um dilema quanto a viver como um típico policial que respeita as leis, e utilizar-se dos remédios não autorizados que Ron traz ao país.
Quanto ao tema do filme, é interessante ver o longa abordar a questão dos laboratórios farmacêuticos e das decisões políticas que são tomadas quanto ao consumo de determinados medicamentos, sempre baseadas mais no bolso das empresas que na vida da população que precisa dos remédios. É possível acompanhar um pouco do processo (falho) que escolhe as pessoas que receberão o remédio, como elas irão consumir e como é possível levar os remédios do México até os Estados Unidos, onde a FDA (a ‘Anvisa’ dos Estados Unidos) não permite que sejam consumidos. Assim como o “concorrente” “O Lobo de Wall Street”, filme do qual o próprio McConaughey também participou, o filme critica elementos importantes do mercado capitalista: a diferença de “Clube de Compras Dallas” é que o foco está muito mais nos personagens que na crítica, já que esta apenas permeia a excelente história humana.
O foco da trama é tão voltado aos personagens que o grande destaque do filme vai para as atuações: e se McConaughey e Leto abraçaram seus personagens com intensidade emocional e física dignas de todos os prêmios que receberam (incluindo o Oscar), é importante destacar também Jennifer Garner, que vive com muita sensibilidade uma médica simples e ao mesmo tempo forte, que tem seus momentos de vigor ao longo da projeção – e não teria sido injusta uma indicação ao Oscar na categoria de coadjuvante, por exemplo.
Por fim, o filme reforça que se trata de uma história real, na qual o protagonista deixa de ser alguém desprezível e preconceituoso para se tornar um homem forte que luta pelo que quer e aprendeu a gostar das pessoas que lhe querem bem, em uma situação de quem controla, e não de quem é controlado – seja pelo mercado farmacêutico, seja por um vírus.