48 quadros por segundo: qual a diferença?
por Daniel Cury
*já foi publicado por aqui um artigo falando da opção de escolha e das exibições de O Hobbit no Brasil.
As mudanças tecnológicas no cinema aconteceram, em sua maioria, lentamente e com muitas resistências. Quando foi criado o cinema em cores, ainda foram produzidos diversos filmes em preto e branco. O surgimento do som nos filmes sofreu muita resistência de conservadores. Agora, mal chegou o 3D para criar divergências e garantir mais dinheiro para os grandes filmes de Hollywood, e o diretor Peter Jackson lançou o filme “O Hobbit: Uma Jornada Inesperada”, em 48 quadros (ou frames) por segundo.
Muita gente não entende porque os 48 quadros por segundo podem melhorar a experiência cinematográfica. Primeiro, é preciso entender que, quando vemos um filme no cinema, na verdade estamos vendo 24 “fotos” sequenciais a cada segundo, e nosso cérebro é responsável por criar a ilusão de movimento. No entanto, quanto mais “fotos” forem exibidas por segundo, mais o movimento de aproxima da realidade. Para entender melhor isto que aqui é brevemente explicado, sugiro que assistam ao vídeo do crítico de cinema Pablo Villaça, clicando aqui.
Antes de tudo, precisamos entender que toda novidade tecnológica no cinema (e no mundo do entretenimento como um todo) se dá por meio de um único objetivo e força motriz: dinheiro. Ninguém investiria em algo que não pudesse trazer retorno ou que tivesse custos muito elevados. É por isso que se demorou tanto a utilizar mais que os 24 quadros por segundo, pois na era analógica, seria gasto o dobro de película nas câmeras, e películas para filmar cinema sempre foram muito caras. Hoje em dia, com a digitalização da captura de vídeo, isso é possível, e certamente há o interesse comercial em criar mais expectativa do público para o filme. Com mais quadros por segundo, certamente os cineastas verão novas possibilidades de criação.
Mas afinal, qual a grande diferença de assistir a um filme com 48 fps? Após ver o filme “O Hobbit: Uma Jornada Inesperada”, gostaria de transmitir as minhas impressões.
A principal diferença com o aumento do “frame rate” é na fluidez da imagem. Sabe aquele “borrão” criado em cenas mais rápidas? Aqui ele não existe. Nas cenas de lutas e ação, é possível ver todos os elementos e movimentos feitos rapidamente. Mas não é somente nisso que vemos melhorias. A fluidez dos 48 quadros também ajuda na qualidade do 3D: existem pessoas mais sensíveis ao 3D, que ficam com a vista cansada após um filme de mais de duas horas, e embora eu não esteja nesta lista, alguns relatos dizem que a vista não ficou cansada mesmo após as quase três horas de projeção.
Graças à fluidez dos movimentos, o filme se torna mais realista. Fica difícil explicar em palavras o quanto um filme assim se aproxima da realidade. As barbas, os cabelos (e com aquela quantidade de magos e anões, cabelo e barba é o que não falta!), as texturas, tudo fica mais real. Nos primeiros dez minutos do filme, todo mundo acha meio estranho. Como nossa visão não está acostumada à nova tecnologia, parece que as cenas estão “aceleradas”, como se alguém estivesse pressionando o botão de “fast forward”. Mas em pouco tempo acostuma-se com o novo padrão de imagem.
Vamos a um exemplo prático. Em um breve momento do filme, vemos uma cachoeira. Antes de assistir ao filme, eu pensava que a imagem de águas caindo era a mesma coisa em um filme e na vida real. Somente após ver a cachoeira de “O Hobbit”, pude perceber a grande diferença entre um filme e uma cachoeira de verdade. Neste momento, pensei que estava vendo uma cachoeira verdadeira na minha frente, e entendi como uma cachoeira filmada não tem a mesma fluidez de movimento que aquelas que visitei nos passeios turísticos. Há um ponto que pode ser considerado negativo por muitos: por fazer a imagem muito mais próxima do real, temos a impressão de que o filme é mais “falso”, pois as imperfeições ficam mais evidentes. Mas, particularmente, senti que esse choque está apenas nos primeiros momentos, antes de me acostumar.
No fim das contas, a filmagem em 48 fps é um grande diferencial ao cinema, mas vai demorar a ser absorvida por todos os filmes. Ainda nem ouso afirmar que um dia tudo será filmado nesta frequência de quadros, afinal sempre haverá a opção de gravar o que for desejo dos cineastas ou produtores. Até mesmo hoje em dia são feitos filmes em preto e branco (como A Febre do Rato) e até mesmo mudos (O Artista, por exemplo), mesmo que em quantidades mínimas.
Mesmo assim, creio que a filmagem em maior frequência de quadros permitirá muitas mudanças no cinema, seja em termos de linguagem (é possível criar mais detalhes em cenas rápidas, por exemplo), de técnica (maquiagem e efeitos digitais precisarão de muito mais cuidado), e de maturidade audiovisual do público, que vai se acostumar com um novo padrão de imagem.
Talvez seja desnecessário filmar um drama intimista em 48 fps. Mas será que não vamos nos acostumar com este novo formato? Ao contrário do 3D, que me parece muito mais opcional, é provável que até mesmo os filmes mais baratos acabem sendo gravados assim, já que a digitalização de câmeras, TVs e projetores de cinema permite que isso seja muito mais uma questão de software que hardware, e não exige óculos, além de atingir a absolutamente todos de maneira homogênea – já que o 3D causa incômodo em alguns e ainda conta com algumas pessoas que não conseguem visualizá-lo (quem já passou por cirurgias de estrabismo, por exemplo).
Mal posso esperar pelas sequências de “O Hobbit” e “Avatar”, com seus 48 quadros, e as consequências que eles trarão ao cinema. E, mais uma vez comparando o “frame rate” com o 3D, lembro-me que Wim Wenders fez “Pina”, um filme de arte em três dimensões, o que me anima para ver filmes de diretores menos “comerciais” com estas novas tecnologias.