Crítica: Flores do Oriente
Em 1937, Christian Bale é John Miller, um agente funerário contratado para enterrar o padre de uma igreja católica na cidade de Nanquim, a então capital chinesa. O padre havia sido morto em um dos inúmeros ataques feitos pelos japoneses durante a guerra sino-japonesa, apesar de haver uma promessa de que não haveria nenhum ataque ao território da Catedral. Ao longo do tempo, o filme de Zhang Yimou conta um pouco do ocorrido em um dos períodos mais violentos da guerra, conhecido como Massacre de Nanquim ou Estupro de Nanquim, já que os soldados japoneses aniquilavam soldados chineses indefesos e estupravam mulheres antes de matá-las.
Apesar de ser um filme com diversos problemas, Yimou não hesita em trabalhar com uma bela fotografia e cenas belíssimas. A simples presença de um personagem americano como Miller (Bale) já é mal-explicada, e parece realmente ser uma saída para chamar a atenção de um público mais abrangente: não deveria ser pecado buscar a ampliação do público por esses meios, mas o roteiro poderia explicar melhor tal escolha. Afinal, por que um simples agente funerário arriscaria sua vida para enterrar um padre cujo corpo ele descobre, mais tarde, que foi carbonizado? Além disso, a própria mudança de caráter do personagem de Bale não é nada eficiente. É claro que após observar soldados quase estuprarem meninas de 13 anos é o suficiente para gerar piedade em muita gente, mas o roteiro parece pouco preocupado em mostrar como o personagem sai de um mero serviçal bêbado em busca de dinheiro para um homem honrado, apaixonado e disposto a arriscar sua vida por pessoas que conhece há pouco. Neste momento, é importante deixar claro que a análise é do personagem mostrado no filme, e não em qualquer referência da realidade, já que o filme se declara “baseado em fatos reais” (frase que, por si só, abre possibilidade para diversas liberdades criativas), e tem roteiro baseado no romance “The 13 Women of Nanjing”, de Geling Yan.
Como é de se esperar, o filme dirigido por um chinês só poderia mostrar os soldados japoneses como verdadeiros monstros, o que é aceitável visto os dados do episódio ocorrido e a necessidade de sublimar os traumas na tentativa de fechar as cicatrizes. É louvável, portanto, que o diretor tente humanizar um dos personagens japoneses, mostrando que entende que muitos deles poderiam ser boas pessoas, embora não o faça com tanta veemência.
O filme ainda tenta focar em um personagem chinês que se torna um mártir da cidade ao enfrentar diversos inimigos sozinho, em uma sequência que foge da proposta do filme, embora seja realizada com grande maestria. O foco do filme deveria ser, essencialmente, no personagem americano, nas crianças que estudam no local e nas prostitutas que lá se abrigam, sendo que o drama vivido por eles é o que mais emociona e conquista o espectador (ou tem potencial para isso), do ponto de vista do roteiro.
A maior virtude do longa-metragem de Yimou é o apuro estético com que ele realiza os planos sequência e as cores que saltam aos olhos em meio à paisagem cinza e desoladora de uma cidade bombardeada e dilacerada (e aqui fica a sugestão: o filme é mais aproveitado quando visto em Blu-ray, já que não se encontra mais nos cinemas). O diretor de “O Clã das Adagas Voadoras” e “Herói” pode não manter neste “Flores do Oriente” as características autorais dos filmes anteriores, mas a beleza dos vestidos das prostitutas que se abrigam no local, o ar de pintura dado à imagem de um soldado sozinho nas ruínas da cidade, a explosão de uma papelaria que solta papeis coloridos e espelhos sendo quebrados no chão são exemplos de um apuro estético impecável. Neste ponto, discordo da crítica de Pablo Villaça, que julga as cenas belas demais para representar as atrocidades da guerra. Acredito que a beleza das imagens, mesmo ao mostrar uma situação de horror, serve para intensificar as emoções e eternizar o momento, já que os momentos de atrocidade da História devem ser justamente os mais lembrados.
“Flores do Oriente” é um bom filme enquanto trama, e um excelente filme quando se conta somente o apuro técnico.
Nota: 04 Claquetes