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CRÍTICA: UNICÓRNIO

Fotografia saturada e poesia batidas com dois dedinhos de fantasia.

Ficha técnica:

Direção: Eduardo Nunes
Roteiro: Eduardo Nunes
Elenco: Patrícia Pillar, Zé Carlos Machado, Bárbara Luz e Lee Taylor
Nacionalidade e lançamento: Brasil, 16 de Agosto de 2018 (Nacional)

Sinopse: Maria sente falta do pai que saiu e nunca mais voltou para a cabana onde ela e a sua mãe vivem. Um misterioso criador de cabras aparece na região para mudar as suas vidas.

Vamos começar do jeito certo, falando sobre a inspiração que deu vida a este longa tão enigmático e colorido, estou falando de Hilda Hilst, uma grande escritora brasileira que foi da poesia as crônicas, publicando desde a década de 50 e que infelizmente faleceu em 2004 com os seus já 73 anos – muito bem vividos – conquistando não só um Instituto com o seu nome, como também é cravada por muitos especialistas, como uma das maiores escritoras em sua língua.

O filme foi concebido em meio as páginas do livro ‘’Tu não te moves de ti’’, onde Eduardo Nunes conseguiu encontrar no conflito de Matamoros, um mar de possibilidades, agregando um pouco ao universo fantástico de Hilst o seu Unicórnio, sendo assim, proclama um trabalho ‘’conjunto’’ e não só uma crua adaptação.

O cineasta também opta por outras formas de trabalhar este atípico âmbito. Enxuga quase que completamente as palavras das bocas dos personagens e dita o seu ritmo e o que tem a contar com as suas largas e volumosas imagens. Unicórnio é um filme de sensações, onde se respira poesia e se embebeda de uma das fotografias mais impecáveis que já vi.

São tantos enigmas em mise en scene através de metáforas e filosofias, que nem me arrisco dizer que captei todas assistindo uma única vez. As imagens com a saturação no máximo, enchem os olhos com uma riqueza panorâmica inexplicável, feita pelas habilidosas mãos de Mauro Pinheiro Jr, que recentemente havia trabalhado em Meu Amigo Hindu e que já é parceiro do diretor desde o seu primeiro longa, Sudoeste. O fotografo ganhou minha atenção desde o trailer, onde me instigou a achar possível superar o trabalho de Walter Carvalho em O Filme da Minha Vida, e de fato, conseguiu.

Unicórnio venceu por unanimidade – algo bem difícil de acontecer – o Fundo Setorial do Audiovisual na primeira inscrição, e como as produtoras comentaram, não foi preciso ir atrás de levantar mais do que isso para o budget da película, e começaram a roda-lo. O filme é considerado baixo-orçamento e conta com apenas 4 atores em seu casting.

Começando pela a estreante Bárbara Luz, que faz a protagonista Maria. Luz entrega o que se espera de seus conflitos, ânsias e martírios. Um maravilhoso começo para sua carreira cinematográfica, escolhida por um diretor tão sensível e o auxílio de grandes atores nos quais contracenou. Luz não se mostrou presa, há momentos que até se destaca bem. Vemos aqui alguém com grande futuro no meio.

Patrícia Pillar, com certeza é o maior nome do elenco e não é à toa. Com poucas falas e muito trabalho expressivo, Pillar – que é a mãe de Maria – dá aula de atuação não verbalizada, simplesmente se transforma na personagem e a vive. Por outro lado, temos Lee Taylor sendo o criador de cabras, em um papel que deve-se conter, é algo muito introspectivo como toda a teia proposta pela trama, mas que se distância do seu perfil como ator o deixando bem apático, ou pelo menos não senti nada que o fizesse se encaixar nele. Taylor chegou a me tirar algumas vezes do filme, infelizmente… Quanto ao monstro Zé Carlos Machado, fica com os diálogos mais envolventes e sacanas, um personagem cheio de magnetismo. Zé Carlos faz o pai de Maria e tem ótimas cenas com ela.

Mas até agora a nota que dei não bate com tudo que disse, não é? Bom, temos que ser francos aqui e o tom oferecido é bem particular o que separa muita gente para ser o público alvo. Unicórnio é lindo e extremamente longo. Eduardo não quis só povoar a mente do espectador de perguntas e deixa-lo pensar e teorizar com o tempo cedido a cada sequência, como te obriga a conviver com a vagareza dos moradores daquele cenário. É cansativo para quem está acostumado com ação, ação e ação, ou cresceu nessa geração twitter. Nos tornamos íntimos de seus personagens em cada pensamento.

A poesia está em cada enquadramento, onde até a posição dos atores diz muito do enredo, porém, a ausência de falas ou algo realmente importante acontecendo em tela em algumas cenas, com o mínimo de urgência que for, deixa tudo muito vago e em momentos até sem timing. O longa é realmente longo, com os seus mais de 120 minutos, sendo que tudo poderia ter sido contado em 60 – e eu não estou brincando – claro que seria outra proposta e sem tanta assinatura em um trabalho completamente autoral, mas tem algumas passagens onde eram pontos importantes para devaneios se tornam divagações.

Tem uma bela cena em torno de uma fogueira, em que eu senti um potencial absurdo indo exatamente de encontro para o desfecho que o Unicórnio arquiteta, porém se tornou tão didático e – novamente – sem timing que aborrece um pouquinho. O filme tem espirito desde o começo, mas formas só ganha do meio pro fim.

Uma rápida observação: desde o primeiro instante que vi o trailer com a minha namorada, comentei sobre me lembrar muito o longa A Bruxa, pela forma escolhida para ser contada, por ser uma família no meio do nada em uma cabana e talvez até pelos ângulos. Depois ao comentar com os amigos, voltei a citar A Bruxa. Fiquei com isso na cabeça e de alguma forma pude realmente sentir uma trilha que embala tão harmoniosamente como no longa gringo, a angústia sabiamente usada e a fantasia do que pode acontecer a qualquer momento quando certas coisas se revelarem. Enfim, as semelhanças me agarraram muito mais quando parei para comparar os castings. Uma troca entre eles seria bem interessante.

Unicórnio pode ser uma tortura aos desavisados, como também podem preencher os poucos amantes do sensorial com muito vigor. Estamos falando aqui de um filme de presença, que te marcará de alguma forma, e isso eu digo com toda certeza, seja a ser lembrado por bem ou por mal. Você que tem dúvidas se vale a pena, eu posso afirmar que existem tantos sabores neste longa, que algo certamente irá te pegar, fora que devemos investir e consumir mais cinema nacional, só assim, poderemos evoluir e sair deste ponto onde todos os brasileiros teimam em ofender e degradar.

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Resumo

O que tem de belo tem de enfadonho, um atraente convite a fantasia não verbalizada, uma verdadeira fábula atemporal onde seremos engolidos por Eduardo Nunes e a sua sensibilidade ímpar. Unicórnio sabe ser único, tem muita coragem e atitude, mas nenhuma pressa.

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