Crítica: A Viagem
O novo filme dos irmãos Wachowski é um filme pretensioso. E esta característica, cuja conotação pode ser boa ou ruim, pesa para os dois lados neste caso. Ser pretensioso é ruim quando não se alcança nem uma pequena parcela daquilo que os idealizadores intencionam. Mas em tempos de filmes medíocres, é bom assistir a algo que pelo menos tenta ser grande e questionador. No caso de “A Viagem”, embora haja diversas falhas, muito do que se intenciona é alcançado.
Primordialmente, o filme conta diversas histórias interligadas no tempo. Todas elas possuem relações de amor, amizade, egoísmo, crença e a busca pela “verdade verdadeira”, que traga alguma resposta para a vida. Mesmo que muitas vezes prolixo, por repetir frases e conceitos nas diferentes tramas, o filme tem cortes fluidos entre as diversas narrativas, que muitas vezes optam pelo match-cut e sem fazer com que os momentos de clímax sejam todos no mesmo ponto.
É interessante pensar nas relações das histórias. Embora o título original, Cloud Atlas, remeta ao sexteto composto por Robert Frobisher (Ben Whishaw), um dos personagens mais fortes e presentes em quase todas as tramas com algum legado, o termo “A Viagem” encontra explicação na viagem de navio feita pelo advogado do século XIX, Adam Ewing (Jim Sturgess), cujo livro escrito deu inspiração a Robert para sua composição. As relações entre todas as tramas podem até mesmo pedir que o filme seja assistido diversas vezes pelo espectador, e um filme que faz isso deve merecer créditos. Há mais ligações entre as diversas tramas do que podemos pescar na primeira vez, e buscar os pontos que conectam a todos pode ser um interessante exercício.
No entanto, a quantidade exorbitante de referências e questionamentos existentes em todas as tramas dilui o impacto delas no espectador, fazendo com que este receba muitas doses de elementos diferentes de uma só vez – o que certamente reflete o tipo de atenção picotada que existe hoje, tempo em que mentes dispersas encontram dificuldade de focar em uma única coisa. E mesmo não sendo tão filosófico e profundo quanto se pretende – o filme é, a bem da verdade, superficial em muitos temas – “A Viagem” pode desagradar os “passeadores de shopping” que costumam buscar entretenimento fácil nas salas escuras: ou seja, fica no meio termo entre o profundo e o raso.
Sem muito tempo para aprofundar tanto nos diversos personagens, o filme depende muito das atuações, e sai ganhando na maioria das vezes. Halle Berry e Jim Sturgess vivem personagens diferentes com bastante segurança; Jim Broadbent não se diferencia em alguns personagens, mas ao menos nos faz rir bastante em suas cenas cômicas; Hugh Grant surpreende com uma versatilidade inexplorada; Hugo Weaving mantém o título de favorito dos Wachowski; e Tom Hanks dá um show completo com os mais diversos tipos de personagens e maquiagens. E o uso de atores recorrentes para viver personagens nas diferentes tramas ajuda o espectador a ligar uma história na outra e tentar fazer as devidas conexões, caso existam.
Mas a maquiagem torna-se o maior problema do filme. “A Viagem” tem algumas maquiagens muito eficientes, como a que transforma Halle Berry em uma mulher branca ou Tom Hanks em um médico com dentes podres. Mas a ideia de transformar ocidentais em orientais acabou gerando rostos irreais e nada convincentes, o que já não é uma coisa boa. Mas nos momentos finais da projeção, quando já estamos quase aceitando a maquiagem que “puxa os olhos”, somos apresentados a uma tentativa contrária, que dá sardas e cabelos ruivos a Doona Bae, exigindo um esforço hercúleo do espectador para que aceite a personagem como verossímil.
Outro pronto importante a ser tratado em “A Viagem” é na sutil valorização da diversidade. Na trama futurística, os personagens que representam o futuro e a salvação dos que restaram na Terra são todos negros, e em duas das tramas são personagens negros que representam a ajuda necessária para evitar uma catástrofe – acredite, isso não é por acaso. E quando paramos pra pensar que a trama centralizadora de todas as outras (ou quase todas) é calcada no amor existente em um relacionamento homossexual, podemos entender como os diretores entendem este sentimento: o amor.
E mesmo que falte um “algo mais” no longa para unificar tudo e passar uma mensagem mais clara ou menos poluída de referências, como suprimir uma das tramas, por exemplo, “A Viagem” não deixa de ser algo bem-vindo aos cinemas. Só torço para que os irmãos Wachowski escolham maquiadores melhores da próxima vez.
Nota: 03 Claquetes