Crítica: O Homem da Máfia
Qual a diferença entre um mafioso e um empresário de Wall Street? De acordo com Andrew Dominik, diretor de “O Homem da Máfia”, muito pouca. Intitulado “Killing them Softly” (Matando-os suavemente, em tradução literal), o filme retrata uma sociedade corrupta, violenta e inserida em uma crise que afeta a todos.
De maneira rasa, “O Homem da Máfia” conta a trama de um assalto a uma casa de jogos liderado por Esquilo/Squirrel, um homem que se acha esperto. Após o acontecimento, os mafiosos locais encontram-se em uma crise e chamam Jackie, o matador profissional cuja maneira de matar dá nome ao título, para averiguar a situação e resolver os problemas.
De maneira profunda, “O Homem da Máfia” é uma história que parte do “micro” para representar um “macro”, que é a crise financeira de 2008, ocorrida no final do mandato de Bush e durante a eleição de Obama. O diretor deixa isso muito claro desde o começo, intercalando diversos discursos políticos acerca da crise com as imagens de uma cidade falida, cheia de lixo, bares sujos e criminosos – e se a existência de um drogado ladrão de cães não é suficiente, isso fica claro na cena em que Jackie sai do carro para entrar em um bar e ao fundo um homem é assassinado de maneira banal.
Andrew Dominik, que também assina o roteiro, consegue a façanha de adaptar um romance de 1974 (Cogan’s Trade, de George V. Higgins) adequando a trama para 2008. O filme ainda chega ao público em um momento também de crise econômica, desta vez com raízes europeias, tornando-se um ótimo retrato do mundo atual. E por isso o filme foi tão aclamado nos festivais europeus de 2012 junto com Cosmópolis, que faz um retrato tão fiel quanto este, embora de maneira diferente.
É interessante notar que diversas falas do filme remetem à situação econômica atual dos Estados Unidos. Em determinado momento, Jackie (Pitt) deseja matar um homem inocente apenas para apaziguar os ânimos da “opinião pública”, remetendo a diversas ações governamentais comuns em momentos de crise. No final, Jackie (Pitt) e o representante dos mafiosos (Richard Jenkins) tem uma conversa nada metafórica, que deve ter dado um belo “tapa na cara” dos americanos que assistiram ao filme. Também “vemos” mafiosos unidos em uma grande corporação sem nome e sem rosto, representada por um advogado que não sai de seu carro com ar condicionado, que precisa barganhar matadores de aluguel, já que até mesmo os mais poderosos estão com falta de dinheiro após uma crise que se criou justamente pelo desejo de mais dinheiro a qualquer custo.
A violência brutal mostrada no filme também representa aquela com a qual nós, seres humanos comuns, somos atingidos diariamente em função do que acontece entre as paredes altas dos executivos sem rosto. Um homem sem culpa no cartório vai parar no hospital após uma surra e depois é assassinado “suavemente”. A maneira “suave” à qual Jackie se refere é sem ligação emocional, ou seja, sem que haja a necessidade de ouvir choros ou pedidos de misericórdia, e a forma lenta com que uma morte é mostrada apenas serve para ressaltar a suavidade existente do título original e esfregar para o espectador o quão violento tornou-se o mundo, não somente de maneira literal, mas na forma moral e silenciosa com que atinge a todos nós.
A partir disto, podemos entender os personagens Frankie (Scoot McNairy) e Russel (Ben Mendelsohn) como representando os cidadãos comuns. Eles apenas desejam ganhar seu dinheiro para continuar vivendo e buscando os prazeres mundanos (no caso deles, assim como de muita gente, drogas e prostitutas), mas tem suas vidas definidas por ações orquestradas pelos mandantes, sem qualquer poder de tomar decisões próprias.
Mas se os espectadores desavisados esperam um filme de ação ao ver Brad Pitt empunhando uma arma no cartaz, o filme quebra as expectativas ao mostrar cenas entrecortadas por chiados, semelhante a filmes experimentais, e transes de drogas que remetem a filmes como Réquiem para um Sonho. “O Homem da Máfia” é também uma trama bastante verborrágica, cheia de diálogos que muitas vezes servem apenas para delinear os personagens, lembrando até mesmo os diálogos de Tarantino. E neste ponto Andrew Dominik peca por introduzir o personagem Mickey (James Gandolfini), que embora interessante e brilhantemente interpretado, não cria a tensão que deveria criar, já que não cumpre com sua promessa e a deixa para Jackie, que no princípio dizia não poder realizar mas acaba fazendo com a maior facilidade.
De qualquer maneira, o diretor australiano Andrew Dominik confirmou o que já havia mostrado em “O Assassinato de Jesse James”: busca fazer filmes que tenham um significado muito maior do que aparentam. É o papel da arte: tecer retratos e discussões a respeito do mundo em que vivemos.
Nota: 05 Claquetes