Crítica: Mirrors No. 3 – 49ª Mostra de São Paulo
Mirrors No. 3
Direção: Christian Petzold
Roteiro: Christian Petzold
Nacionalidade e Lançamento: Alemanha, 2025
Elenco: Paula Beer, Barbara Auer, Matthias Brandt, Enno Trebs
Sinopse: Durante um fim de semana no campo, Laura, uma estudante de Berlim, sobrevive milagrosamente a um acidente de carro. Fisicamente ilesa, mas profundamente abalada, ela é acolhida por Betty, que testemunhou o acidente e cuida dela com carinho.
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Em uma época onde muitas pessoas pensam cinema exclusivamente pela história, Christian Petzold traz em Mirrors No. 3 uma trama aparentemente simples, em alguns momentos até previsível e ainda assim entrega um filme bastante tocante, profundo e complexo ao revelar as emoções humanas.
Ao iniciar a trama o desconforto é visível. Laura, a protagonista, está incomodada. Com o quê, não sabemos. E na viagem que faz com seu namorado e uma dupla de amigos dele, essa sensação só fica mais forte. Para ela e para quem assiste. E desde a primeira vez que cruza o olhar com Betty, uma conexão estranha acontece. Em oposição a desconexão que existe entre Laura e seus companheiros de viagem.
É a partir dessa ligação entre essas duas mulheres que o filme se desenvolve. As vidas delas acabam se unindo quando voltando mais cedo da viagem, o carro que Laura está com o namorado capota em frente a casa de Betty,que presta os primeiros socorros. Acaba que Laura permanece em sua casa sem data para ir embora.
Surpreendentemente elas se dão muito bem. Ambas possuem cicatrizes para curar, mesmo que falem muito pouco delas. E parece que estarem juntas alivia as dores que cada uma vive. Só que essa lógica quase idílica parece tão perfeita que soa incômoda. Meio artificial. Um tanto quanto irreal. E quando o marido e o filho de Betty começam a frequentar a casa em que as duas estão morando, vai ficando mais claro que existe um segredo que Betty não quer revelar.
Durante toda a projeção uma estranheza persiste, incomoda, atormenta de alguma forma. E com uma lógica fantasmagórica que nunca se vai. Mas os fantasmas aqui são os vivos, não os que já se foram. São eles que vivem como almas perdidas, enquanto performam para se encaixar a uma realidade que não os satisfaz.

O interessante é que todos os segredos são óbvios ao espectador, mas em momento algum isso se torna um problema. O foco jamais está nos mistérios existentes na casa e no que está entre a relação das duas mulheres, mas sim no emocional delas. Nas dores que as perseguem.
É um filme que constrói suas situações com bastante delicadeza. Que cria significados gigantes no que não é dito, através dos silêncios e dos gestos. É uma jornada interessante demais de passar como espectador, especialmente porque é de uma aparente simplicidade fascinante. Só que quanto mais se analisa tudo, mais fica óbvio que nada é simples, só aparenta ser.
Um filme para se sentir. Para vivenciar a jornada dos personagens, sem se debruçar demais em respostas. Talvez não o melhor filme do cineasta, mas uma obra bastante consistente dentro de uma filmografia extremamente competente.
Nota: 4 /5