Crítica: Frankenstein – 49ª Mostra de São Paulo
Frankenstein
Direção: Guillermo del Toro
Roteiro: Guillermo del Toro
Nacionalidade e Lançamento: Estados Unidos, 2025
Elenco: Oscar Isaac, Jacob Elordi, Mia Goth, Christoph Waltz, Charles Dance, David Bradley, Felix Kammerer, Lars Mikkelsen
Sinopse: O clássico conflito entre criador e criatura ganha vida mais uma vez em nova uma releitura.
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Um dos fatores que faz com que o Guillermo del Toro seja um cineasta tão admirável quanto é extremamente superestimado é que o lugar que ele ocupa na indústria – do cineasta fofo, bonzinho, estrangeiro, cinéfilo, nerd, pop, apaixonado e empático por monstros, cinema clássico, pela escala, por visuais muito marcados, pelo maquinário pesado de Hollywood e pelo artesanato do cinema e todo esse blá blá blá repetido mil vezes pra se criar um marketing ao redor dele – por vezes se confunde com o que a sua obra é na prática como arte e as limitações notáveis do seu projeto geral de cinema. Del Toro é um cineasta apaixonado e humanista, mas ao mesmo tempo ele pensa os seus projetos de um modo tão metodicamente esquemático que os seus filmes ficam estranhamente distantes e separados por conceitos visuais ou temáticos que não se juntam numa formulação. O academicismo e tecnicismo dele muitas vezes parecem maiores que os seus filmes e o seu projeto de cinema. Muitos de seus filmes tem um problema constante de fluidez por isso.
Não é à toa que ele seja um queridinho de prêmios como o Oscar e etc aonde os votantes se preocupam muito mais com coisas como a embalagem dos projetos do que com a materialidade deles. Não é que ele seja um cineasta ruim, muito pelo contrário, é um cineasta muito bom e talentoso, mas muitos de seus filmes parecem mais exercícios de estilo ou de pastiche dessa sua característica de fanboy que sequestra os seus filmes pra elas do que narrativas próprias que fluem por si mesmas. E um grande problema é que como os seus filmes querem alcançar patamares de ambição temática e filosófica para além de serem exercícios de emulação. Por isso seus melhores filmes são onde ele se joga na criação artesanal de modo mais despretensioso se conciliando com a máquina de Hollywood mas com um peso apaixonado pela criação dos universos que lida e o efeito dramático mais solto e sensível que eles representam para as suas obsessões (Hellboy 2, Pinóquio e até Blade 2) ou um mergulho mais comprometido num contraste entre o sombrio e a fabula (O Labirinto do Fauno e A Espinha do Diabo).

Seu Frankenstein, um dos seus vários projetos dos sonhos e de paixão, acaba ocupando o lugar desses seus filmes irregulares aonde defeitos muito graves e qualidades muito fortes convivem na mesma quantidade. Essa irregularidade está no seu próprio pensamento visual. Saem os conceitos dos clássicos de James Whale da Universal, que ele também ama, e entram os conceitos científicos, filosóficos e trágicos do livro com a mão de Del Toro que explicita ainda mais a vilania de Victor Frankenstein e claro a simpatia total pelo Monstro. Como todos os filmes do Del Toro esse é um filme muito lindo em direção de arte pomposa, figurino, cenários e ambientação dos espaços, mas ele acaba sendo extremamente comum na maioria das vezes em quase tudo que envolve a encenação da sua direção – resumido sempre em movimentos de câmera simplórios de travellings circulares classudos mas repetitivos e sem variações ou especificações dramáticas disso e não oferecendo nenhuma abordagem formal além disso – e uma fotografia digital quase lavada e sem textura em muito do que envolve cor e luz típica de projetos da Netflix. O que é meio chocante porque até filmes fracos dele como Beco do Pesadelo costumam ser visualmente belíssimos nessas questões de fotografia. Ele que gosta de falar tanto sobre efeitos práticos e etc enche o seu filme de efeitos de CGI de fundos e de animais em cenas de luta que se tornam totalmente distrativos daquilo que está ao seu redor.
Um problema recorrente de muitos filmes do Del Toro é esse de ligar muito pra partes especificas de seus filmes (direção de arte, figurino, fotografia e etc) e esquecer completamente de outros fatores cruciais como direção, encenação e a ambição narrativa que ele quer tanto alcançar. As contradições não param só por aí, mas também na narrativa – outra das deficiências dos filmes do Del Toro e algo que ele insiste em dar muita atenção – já que ao mesmo tempo Frankenstein é muito acertado e épico na escala grandiosa da sua história e na abordagem muito sombria e pessoal pra história original e pros seus dois protagonistas colocados num melodrama trágico sobre as dores da paternidade e um ciclo de pais horríveis e filhos quebrados, o principal ponto e principal qualidade desse filme. Porém o filme sub desenvolve os seus personagens, seus envolvimentos com personagens como a de Mia Goth por exemplo – crucial pra ligação com os dois – e é estranhamente corrido. As coisas são juntadas tanto no tratamento a esses personagens e nas situações dramáticas de um jeito distante e súbito.

Del Toro encontra uma chama na intimidade em que lida com o maquinário épico e teatral que o filme possui pra fisicalidade dos embates em ambientes restritos grandiosos mas cenários fechados e principalmente no melodrama paterno sensível (destaques pra parte com David Bradley), mesmo que as coisas acabem se estendendo demais e pareçam perdidas em como são estruturadas – aquela cena final piegas e didática – ou aproveitadas em conflitos que são suprimidos como a caça entre Victor e o Monstro. O Jacob Elordi e o Oscar Isaac estão incríveis inclusive como o cientista louco traumatizado mas sádico, vilanesco, egoísta e cruel e a criatura sofrida, machucada, erudita, marginalizado, intelectual e poética (e obviamente Del Toro toma o seu partido). O Del Toro obviamente não conseguiu fazer o que Coppola fez no seu Drácula de Bram Stoker, como parece querer muito aqui: um épico formalista, operístico e gótico que ao mesmo tempo contorce e celebra respeitosamente os conceitos de uma obra original histórica entre uma fidelidade geral e uma colocação pessoal muito especifica que distorce vários eventos em prol dela. Mas mesmo que irregular ele conseguiu extrair algo de interessante disso.
Nota: 3 /4