Crítica: Jay Kelly – 49ª Mostra de São Paulo - Cinem(ação): filmes, podcasts, críticas e tudo sobre cinema
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Crítica: Jay Kelly – 49ª Mostra de São Paulo

Jay Kelly
Direção: Noah Baumbach
Roteiro: Noah Baumbach, Emily Mortimer
Nacionalidade e Lançamento: Estados Unidos, 2025
Elenco: George Clooney, Adam Sandler, Laura Dern, Billy Crudup, Riley Keough, Grace Edwards, Stacy Keach, Jim Broadbent, Patrick Wilson, Eve Hewson, Alba Rohrwacher, Emily Mortimer, Isla Fisher, Giovanni Esposito
Sinopse: Uma crise pessoal de Jay Kelly, um dos maiores astros do cinema Hollywoodiano da atualidade, acaba afetando todos ao seu redor.

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No papel, um filme como Jay Kelly tem tudo pra ser pelo menos simpático: uma dramédia com tons oníricos entre a autoironia e o edificante sobre o que é ser “um astro imenso de cinema em Hollywood” feita a partir de uma metáfora metalinguística e autoconsciente com o próprio do George Clooney celebrando a sua trajetória e posição dentro do cinema estadunidense mainstream ou imaginário global de “grande galã”. Uma tentativa do próprio Noah Baumbach de fazer um filme autoconsciente pensando Hollywood e suas linhagens com tipos amalucados á lá os filmes do seu principal mentor Peter Bogdanovich (inclusive um pouco representado nesse filme por meio do personagem de Jim Broadbent), fazer o seu próprio Memórias (1980) do Woody Allen e “brincar” de Oito e Meio (1963) do Fellini fazendo com que a realidade vá se fundindo com alucinações e lembranças do próprio Jay Kelly observando a sua vida passada. Uma viagem para a Itália, citações direitas á Marcello Mastroianni, personagens pitorescos italianos etc. vão deixando tudo isso mais claro. As coisas são interessantes até que serem colocadas na prática.

Noah Baumbach é um cineasta bem talentoso para encenar a banalidade e para observar certas rachaduras emocionais que marcam seus personagens, mas também é extremamente limitado e medíocre mesmo em conseguir equilibrar uma conversa entre um naturalismo timidamente intelectualizado Hollywoodiano com raízes no cinema independente e no cinema narrativo clássico com um viés de caricatura de tipos excessivos vinda das comédias de “screwball comedy”, que ele assim como o seu ídolo Bogdanovich, é muito fã. Nenhum problema com as coisas serem propositalmente caricatas e mais carregadas, o problema é que elas são mal equilibradas e rasas. Mal colocadas. Nesse sentido ele é o anti James L. Brooks, cineasta exímio em fazer esse equilíbrio. Os filmes de Noah têm um senso de humor infantil, bobo e sobretudo óbvio em como tratar todos os personagens secundários ao redor dos seus protagonistas como alívios cômicos idiotizados e histéricos meio patéticos desprovidos de qualquer humanidade e colocados de modo formulaico para preencher essas funções de um jeito até barato e como chacota. A equipe que cerca George Clooney, as famílias de Clooney e Sandler, todos os personagens secundários no trem na viagem pra Itália e aquela cena vergonhosa do George Clooney perseguindo o assaltante são alguns dos muitos exemplos disso. 

Coisas que deveriam ser cômicas só ficam ultra constrangedoras e se estranham com uma pretensa sofisticação de uma elegância artificial na criação dos seus elementos. A fotografia de Linus Sandgren – um desses diretores de fotografia de visual grandiloquente da atualidade que tal qual os Roger Deakins e Emmanuel Lubezki parece ter virado um atalho estético pra diretores preguiçosos – vai exatamente nessa linha: tudo é bonito, reluzente, claro, aquarelado, suave, mas extremamente artificial e sem nenhuma particularidade dando um fator publicitário e de uma plasticidade comercial para o filme. Um filme que fala da própria Hollywood, que flutua entre o mundo dos sonhos e é estrelado por um ator famoso por estrelar comerciais até poderia usar isso a seu proveito, mas o problema é que tudo é colocado de forma tão direta e se levando tão a sério em tudo que diz e faz que isso cai por terra ficando só no terreno da publicidade mesmo. Do “visual bonito fácil” que se torna só distrativo. 

A obviedade extrema das coisas não são só visuais, mas em como qualquer observação sobre o mundo do cinema e o próprio George Clooney também vão nesse sentido e são clichês já manjados e rasos desse tipo de filme sobre estrelas de cinema, filmes, etc. Até as piscadelas de metalinguagem vão nesse sentido de uma auto–validação vaidosa entre quem está fazendo o filme quem está o assistindo. De conhecimentos vazios e pedantes para que o Noah Baumbach se sinta muito inteligente se escalando como diretor, o George Clooney tenha o seu ego aplaudido numa sequência final inteira que lembra um comercial ou essas bobagens. O filme parece viver numa mentalidade over e forçada longe de qualquer capacidade de percepção humana, autocrítica e reflexão sobre si mesmo que não seja super condescendente com o próprio personagem e o seu espaço como super astro riquíssimo de Hollywood em crise pessoal. Sua figura como um pai ausente e um irresponsável são sempre amenizadas pelo filme. Se eu pudesse recomendaria que o Noah Baumbach assistisse mil vezes Coração de Caçador (White Hunter Black Heart) do Clint Eastwood um filme que de se entrega de modo frontal a uma lógica de como os “mitos de Hollywood” que amamos são figuras podres e quebradas.

Aqui tudo sobre os personagens e as suas relações familiares, de amizade e afetivas acabam sendo apenas ditas sem parar, rapidamente, sem respiro, nunca de fato desenvolvidas pelo filme, fazendo com que os relacionamentos entre figuras como o do Adam Sandler (muito esforçado em retratar as neuroses do personagem, mas sofrendo com a ruindade do roteiro) e da Laura Dern com ele e entre si nunca tenham o peso que o filme diz que tem. O George Clooney está charmoso e careteiro como sempre um papel feito sob medida pra ele, mas o próprio desespero em fazer com que coloquemos ele num patamar de santidade, fetiche com a sua posição e de marketing sobre si mesmo acaba prejudicando a sua própria atuação. Conceitos interessantes como o fato de que o puro acaso ter colocado Jay na posição em que ele está e não exatamente essa mentira que o talento e coisas assim sempre levam as pessoas a se tornarem o que se tornam e estrelas de Hollywood como produtos que devem ser protegidos acabam sendo perdidos por conta disso. Porque são só conceitos esvaziados por um cineasta óbvio tanto nas suas homenagens, celebrações e nas suas ironias e críticas.

Nota: 2 /5

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