Crítica: Uma Sexta-Feira Mais Louca Ainda
Uma Sexta-Feira Mais Louca Ainda
Direção: Nisha Ganatra
Roteiro: Jordan Weiss
Nacionalidade e Lançamento: Estados Unidos, 2025.
Elenco: Lindsay Lohan, Jamie Lee Curtis, Julia Butters, Sophia Hammons, Manny Jacinto, Mark Harmon, Maitreyi Ramakrishnan, Vanessa Bayer, Chad Michael Murray.
Sinopse: A dupla de mãe e filha Tess e Harper em momentos completamente diferentes de suas vidas trocam de corpos novamente e agora tem companhia.
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É muito comum quando eu critico negativamente algum filme blockbuster, um filme mais infantil, adolescente, mais leve, uma comédia, um filme de ação ou qualquer longa-metragem que tenha esse viés mais comercial vir alguém me escrever: “ah mas também você esperava o quê?”, “ah é só um filme comercial”, “ah é só um filme Sessão da Tarde”, como se esses filmes desse tipo estivessem destinados a serem ruins, genéricos ou como se a qualidade não importasse diferente de outros filmes “sérios”. Bobagem total de gente sem critério que banaliza a qualidade de qualquer filme puxando o saco de tudo e que querem que todos sejam tão condescendes e com nenhum nível de exigência quanto eles não respeitando a individualidade de opinião do outro.
O que as pessoas se enganam é que existem níveis de qualidade em qualquer tipo de filme desde os mais despretensiosos até os mais sérios. Dos mais comerciais até os mais alternativos. Todos eles compartilham das mesmas ferramentas cinematográficas colocadas de modos diferentes e são filmes capazes tanto de acertarem quanto falharem em questão de encenação, roteiro, fotografia, montagem, atuação, desenvolvimento, etc., de modos diferentes.
Eu e ninguém com a cabeça no lugar esperamos ver um filme do Godard ou coisa do tipo quando assisti e analiso um filme como Uma Sexta-Feira Mais Louca Ainda (Freakier Friday), mas espero sim que ele seja o melhor dentro do estilo que ele está colocado e ofereça algum nível de qualidade dentro disso, o que é plenamente possível. E analiso ele com o mesmo respeito e interesse em como ele se organiza como faria com qualquer outro filme. E essa continuação do já muito bom filme de 2003 e que está em cartaz nos cinemas prova que mesmo num projeto da Disney claramente feito como caça níquel para lucrar em cima de nostalgia e de uma marca já conhecida como a maioria do que eles fazem hoje em dia é possível se entregar algo bem feito e com qualidade enquanto cinema. Uma Sexta-Feira Mais Louca Ainda é uma grande surpresa, um filme muito bom e entrega tudo que esses projetos de nostalgia barata ou infantojuvenis comerciais mecanizados e incompetentes feitos de qualquer jeito passam longe de fazer.

O filme de 2025 é aquele clássico exemplo de um longa-metragem bem escrito, muitíssimo bem atuado e que se utiliza do artesanato cinematográfico que um filme desses tem em mãos pra criar. A roteirista Jordan Weiss – que também escreveu e dirigiu a comédia romântica jovem Sweethearts – consegue recuperar as características reconhecíveis e cativantes das suas personagens do passado e do seu universo, mas também demonstrar como a passagem do tempo causaram uma evolução natural nas suas personagens sem elas deixarem de ser reconhecíveis.
As novas co–protagonistas Julia Butters e Sophia Hammons – ótimas atrizes jovens – são engraçadas e com personalidades e dramas próprios que o filme faz questão de brincar e desenvolver. E o filme é inteligente em conseguir dar uma atenção muito igualitária para as suas quatro protagonistas, não se resumir em nostalgia ou aparições para demonstrar o seu apelo: ele dá histórias novas para suas personagens mesmo repetindo o mesmo molde do filme anterior, apresenta boas novas personagens e faz de as aparições de personagens do passado serem extremamente naturais ou puras piadas sobre esses personagens como o Jake (Chad Michael Murray) continuar apaixonado por Tess (Jamie Lee Curtis) depois de diversos anos ou Elton Bates (Stephen Tobolowsky) continuar na escola.
Ao mesmo tempo que o filme segue moldes do filme original (a troca de corpos e um casamento rodeando tudo isso), ele também estabelece uma estilística própria se construindo a partir de um humor muito mais exagerado, muito mais expansivo e cartunesco que o filme original tornando os personagens em geral figuras muito mais ácidas, irônicas (com direito a uma piscadela para um Operação Cupido nos planos das personagens de Julia e Sophia) e excessivas, mas sem que eles percam nunca uma dimensão emocional nas suas questões sentimentais que explodem no ato final e na belíssima cena em que Anna (Lindsay Lohan) e sua filha Harper (Julia Butters) cantam uma música que ela compôs chamada Baby. Comentários sobre o mundo e comportamento por exemplo são tratados em diálogos como uma captura desse choque de gerações.
E a diretora Nisha Ganatra encena tudo isso de modo simples e assertivo mas estilizando o material que tem em mãos seja fazendo que uma colagem visual mostre de modo divertido, criativo e prático toda a construção do relacionamento de Anna e Eric (Manny Jacinto), a cena da troca de corpos que mostra bem essa coisa da dobra de apostas visuais e narrativas radicalizando as coisas numa cena toda construída em grandes angulares em primeiríssimos planos, subjetivas mostrando o ponto de vista dos olhares das personagens, super closes frontais, montagem agitada e contraluzes fortíssimos da manhã pra traduzir esse clima enlouquecedor da cena, o absurdo disso tudo e essa nova passagem. Além de sacadas cômicas muito boas como quando briga de comida na festa de escola está prestes a começar no pátio e um aluno mímico olha para o céu gritado em silencio enquanto é filmado num plano zenital pela câmera (que captura do teto pra baixo) e então ele é jogado de lado por outro aluno que grita finalmente: “briga de comida”.

Claramente as responsáveis por esse filme demonstram um capricho muito grande ao lidar com esse projeto e entendem bastante suas possibilidades criativas. É uma alegria ver um filme desse tipo feito pra Disney que diferente de Lilo & Stitch, Desencantada, Como Treinar o Seu Dragão ou alguma outra porcaria dessas realmente não fica totalmente nas sombras do filme original de algum modo, não parece apenas um produto – obviamente ele é um produto, mas não é só isso – e não é terrivelmente feio e mal iluminado conseguindo ser vibrante também nas suas cores, no seu visual espalhafatoso e na sua iluminação clara e visível. É muito bom ver Lindsay Lohan demonstrando todo o seu talento, o seu timing cômico e o seu brilho já conhecido em cena em prol de um projeto que ela esteja tão solta e confortável. Ela é uma atriz brilhante, das melhores da geração dela e é uma pena que a vida pessoal não tenha feito ela alcançar os voos que estava destinada a dar.
Nesse território ela demonstra a gigante que é e Jamie Lee Curtis – que no filme de 2003 provavelmente tinha dado a atuação da sua carreira estando fantástica ali – usa todo o seu histrionismo e exageros já conhecidos para fazer uma composição totalmente sintoniza com os seus pontos fortes como intérprete, com o fator leve, mais livre desses filmes que a fazem fluir de modo mais solto também e tem um material que até extrapola as suas possibilidades circenses e de contraste. Cada uma das quatro atrizes tem um destaque específico e tempo de tela para brilharem nesse misto de confusões, trapalhadas e emoções. E Freakier Friday mostra bem que ser um filme infantojuvenil, um filme familiar e uma continuação não é justificativa para se entregar algo ruim. Esse é o melhor filme live-action desse tipo da Disney em muitos anos.
Nota: 4 /5