Crítica: Superman (2025)
Superman
Direção: James Gunn
Roteiro: James Gunn
Nacionalidade e Lançamento: Estados Unidos, 2025
Elenco: David Corenswet, Rachel Brosnahan, Nicholas Hoult, Rachel Brosnahan, Edi Gathegi, Anthony Carrigan, Nathan Fillion, Isabela Merced, Skyler Gisondo, Sara Sampaio, Beck Bennett, Mikaela Hoover, Christopher McDonald, Pruitt Taylor Vince, Neva Howell, María Gabriela de Faría, Frank Grillo.
Sinopse: Superman se vê no meio entre a disputa global de dois países inimigos, enquanto vira alvo da inveja do poderoso Lex Luthor e é ajudado pelo seu amor Lois Lane.
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“Nós somos muito diferentes. Eu questiono tudo e todos. Você confia em todo mundo e acha que todos são como vocês… Admiráveis.”.
“Talvez essa seja uma atitude punk rock.”.
Os méritos de Superman do James Gunn já começam pelo fato dele ser um dos filmes de super herói mais visualmente lindos, particulares em sua identidade estética e formal própria, prazerosos de se olhar e interessantes nesse sentido dos últimos anos rompendo o padrão estético sem graça, básico ou/e incompetente dos filmes do gênero nos últimos anos tanto da Marvel quanto da DC.
O colorido solar, os contraluzes estourados, a textura brilhosa meio plástica e meio gélida, a câmera em frenesi, os zooms e chicotes da câmera, as sombras bem marcadas, a direção de arte e figurino extravagante e cheia de detalhes, cada imagem transpira vida e cada movimentação de câmera ou troca de lente transpira um filme que pensa o cinema de espetáculo como cinema. Que devia ser a obrigação de qualquer um desses filmes. Talvez seja o auge dessa condução de adrenalina, iconoclastia e estilização visual do James Gunn buscando que nos estejamos na pele do Superman o tempo inteiro, da sua confusão constante e energia por meio da sua construção cinematográfica e por conta disso acaba sendo um dos raros filmes desse gênero que hoje em dia foge de uma encenação mais básica e executa uma elaboração extremamente mais criativa (e coesa) em prol dos seus desejos de imersão: a câmera furiosa, livre e giratória, os planos holandeses e as cenas balançando quando o Superman está caído no chão, o slow motion, os super closes, os atores em primeiríssimos planos, os quadros frontais, os planos muito fechados em rostos nos voos, as grandes angulares, os planos detalhes alucinados com contra plongées e ainda assim no meio de toda essa energia existe momentos pra composições que só contemplam um lugar ou ações bem colocadas como Lex entrando na Fortaleza da Solidão visto de longe em segundo plano lá no fundo do quadro em desfoque pelos robôs.
Ou Lois e Clark se beijando encostados numa parede ou a câmera passando pela conversa deles. Ou então a câmera dando um zoom out ao mostrar Lex Luthor e os seus comparsas na LexCorp ou então todos os poucos momentos que a câmera para degustar um tempinho de mostrar os personagens em simetria num grande plano aberto com a câmera afastada com Clark e Lois em primeiro plano se despedindo no apartamento de noite e o monstro soltando raios neon lá atrás, ou nas discussões do Clarim Diário. Uma cena e um quadro que resumem a tese central do filme: o encontro entre o humanismo e o absurdo. O grande segredo do Gunn, aqui e talvez a sua grande inteligência como cineasta, é saber mesclar fatores opostos de modo harmonioso: o filme é cartunesco, exagerado, carregado esteticamente e cheio de estímulos nesse sentido, é pop, é matinê, alto astral, tem um ritmo frenético e dinâmico sem ser apressado e tropeçar em si mesmo, referências das idiossincrasias dos seus personagens nos diálogos e situações comicamente mundanas nos envolvimentos de suas figuras no roteiro, humor caricato com caracterizações escrachadas de muito bom timing, tiradas cirúrgicas de graça nas dinâmicas dos personagens, sequências de ação ou emocionais com música e não nega suas paixões mais “vintages”.

Ao mesmo tempo ele também é humanista, cheio de gravidade emocional, dramática, política (surpreendentemente corajosa e mais inteligente do que a gente está acostumado a ver nesse tipo de filme) em todos esses pontos, muito aberto pra diversas interpretações pros conflitos externos e internos envolvendo a figura do Superman, e nunca deixa que o seu foco não seja o drama pessoal do Superman e do que ele representa. É um filme que começa num universo já existente, em conflitos já existentes, cheio de heróis, coadjuvantes, numa fantasia exacerbada lúdica de monstros e seres bizarros e na ficção cientifica absurda e pulp absolutamente normalizadas dentro daquela obra e todos eles (Eve Teschmacher basicamente uma Arlequina patricinha do Paul Dini e do Bruce Timm, Jimmy Olsen no seu auge de personalidade excêntrica e cativante, o pessoal do Clarim Diário, a Gangue da Justiça, Jonathan e Martha Kent, o Metamorfoso, Kypto a grande metáfora emocional das responsabilidades que o Supeman tem, etc) compõem um painel interessante de se acompanhar, organicamente bem caracterizado com carisma firme, humor, afetividade e estão corretamente encaixados para chegarem num ponto em comum sem nunca serem esquecidos em funções muito especificas, bem determinadas, diretas e precisas pro desenrolar da história e para as teses do filme sem precisar encher eles de desenvolvimentos ou focos que o filme não pretende ter, mas anda assim recebem mini arcos, boas caracterizações ou o que fazer ou o que fazer dentro da mistura de aventura, drama comédia daquele momento especifico e imaginário entre ícone de esperança e homem em conflito do Superman, que nunca tem seu protagonismo abandonado e só é dividido com Lois Lane e Lex Luthor, aqueles cuja relação com esses personagens dizem tudo sobre ele. Existe uma óbvia necessidade do Gunn em amarrar pontas, levar a conflitos e estabelecer um universo futuro vasto com possibilidades futuras enquanto lida com os conflitos do seu personagem protagonista (na sua versão mais humanizada possível) e apresenta essa sua interpretação do personagem para o mundo. É uma missão de muitas frentes que o filme consegue entregar de modo operacional, mas sempre natural. Esse filme de apresentação de um universo hiperbólico e grandioso (e fascinante nas suas amostras) nunca sacrifica o seu protagonista ou se revela “inchado”, se tornando mais um terreno pra ele conviver e se aventurar porque o longa é volumoso mas sempre é centrado para o que fazer com esse volume de modo cirúrgico e fluido.
Os coadjuvantes estão sempre em segundo plano, mas nunca deixam de ser atrativos nem se revelam apenas peças esquematicamente mecânicas e genéricas em suas funções bastante marcadas. O filme tem diversos personagens e núcleos, mas eles nunca se tornam excessivos ou incomodam porque o ponto de vista do Superman e, em menor medida, Lois e Lex, nunca é perdido pelo filme: eles deixam de ocupar as suas centralidades e o filme nem chega perto de ser sufocado por essas questões, que ao contrário, contribuem sempre para o seu tom, a sua narrativa e a jornada dos três personagens centrais. A comédia escrachada e leveza do filme não diminuem seus fatores mais dramáticos, épicos e densos, na realidade elas se somam e convivem sempre muito bem juntas, sem que de modo formulaico momentos de comédia sejam colocados para diluir a dramaticidade transformando o pastelão em algo tolo, raso e sem gravidade, ficando portanto falso.
O filme abraça fortemente uma empostação discursiva brega típica desse clima de matinê em alguns dos diálogos e uma estilística dos quadrinhos de fantasia absurda sem apontar cinicamente para isso em alguma piadinha sarcástica artificial com um deboche autoconsciente juvenil e culpado como se tivesse vergonha desse tom. Ele faz parte de um universo compartilhado cheio de possibilidades futuras, mas esse universo existe e é construído no filme como uma ambientação que repercute na lógica cotidiana do seu protagonista. O foco e a naturalidade nunca são retirados mesmo com toda a megalomania do filme. James Gunn não nega ou abandona seu estilo, seus gostos autorais e seu contato pessoal com aquela obra, pelo contrário: preserva e o radicaliza a sua autoralidade em diversos fatores, mas também soma ele de forma flexibilizada com um aspecto mais sensível, romântico, ainda mais aventuresco e grandiloquente em escala (mas ultra simples em trama, soluções e cheio de clichês de narrativa clássica feitos com personalidade e pulso), com interações e um universo que lembram muito as animações da DC dos anos 90 e 2000 sem a sisudez mórbida do Bruce Timm – mas com todo o resto – somada com o tipo de condução e estilo do Sam Raimi nos Homem Aranha (guardadas as devidas proporções).
Desses cineastas que trabalham no mainstream de Hollywood, além de ser um dos poucos que faz filmes sem medo das cores, em ter uma energia cinematográfica vibrante em seus blockbusters e sem medo de usar as cores de modo interessante, ele também é um mestre na escalação dos atores. Se os coadjuvantes desconhecidos dão um tom ameno, agradável e mundano pros tipos pitorescos que rodeiam o filme, o trio central desse filme é um achado. Eles brilham muito.
Rachel Brosnahan e Nicholas Hoult estão fascinantes como esses dois contrastes na vida do Superman: ela, essa repórter de presença desafiadora (mas também encantadora) de fala afiada e rápida com um timing pra comédia e um olhar atento da observação sempre presente em cena numa atualização pra heroína romântica de screwball pro blockbuster atual. E o Hoult como esse magnata que é tanto um empresário megalomaníaco e sádico sedento por controle quanto um cientista maluco insano, o valentão cínico e antissocial da tecnologia e um invejoso patético com uma síndrome de inferioridade secreta. Sua já conhecida gelidez e tranquilidade pros papéis se transforma em um sarcasmo maldoso, frio, seco e num vilão que não olha diretamente nos olhos de ninguém ao mesmo tempo é uma figura over, que é tão teatral e cartunesca quanto também pode se revelar um psicopata agressivo em instantes. E aí temos David Corenswet, o homem que segura esse filme todo. E que surpresa. Do momento que que ele aparece em tela, parece que eu estou vendo um astro nascendo. Ele é bonito, tem presença, carisma, é expressivo e atua super bem. Ele está excelente no filme. Tem brilho e postura de estrela e jamais imaginaria o quão bem ele está nesse filme. Esse tipo de ator que ele se mostra aqui (o bonitão padrão com talento e presença) não é fácil de achar. Seu Clark Kent/Superman é altivo e altruísta, imponente e doce, mas sobretudo expressa seu despojamento mais informal e fofo, suas muitas humanidades e fragilidades (ingênuo, bondoso, bem intencionado, emocionado e irritadiço sem ser um idiota ou uma porta) que nunca vi em nenhuma versão live action de modo tão palpável, tão ao extremo e encenada por um ator que lida com isso de modo tão leve e solto. Sua sintonia com Brosnahan e com Hoult é tão prazerosa de se assistir quanto o seu próprio drama interno, a sua aventura fantasiosa excessiva e claro as imagens do Gunn. Que são lindas.
Nota: 5 /5