Crítica (2): Mickey 17
Mickey 17 – Ficha técnica:
Direção: Bong Joon-ho
Roteiro: Bong Joon-ho
Nacionalidade e Lançamento: Estados Unidos, Coreia do Sul, 2025.
Elenco: Robert Pattinson, Toni Collette, Mark Ruffalo, Michael Monroe, Steven Yeun, Patsy Ferran.
Sinopse: Mickey 17 é um funcionário descartável em uma expedição humana que busca estudar e povoar o planeta gelado de Niflheim. Depois que um clone morre, um novo corpo é regenerado com a maioria de suas memórias. Mas nem tudo sai como planejado.
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Muitos cineastas passam boa parte da carreira sonhando com uma Palma de Ouro ou um Oscar. Para Bong Joon-ho, ambos vieram no intervalo de um ano. O cineasta sul-coreano quebrou paradigmas e cravou seu nome na história do cinema ao vencer o primeiro Oscar de um filme em língua não inglesa em 90 anos de premiação. Desde então, essa consagração dupla em dois continentes atraiu um olhar atento da indústria, que vem acompanhando de perto seus próximos passos.
Entretanto, na contramão das expectativas de um filme similar a Parasita, o diretor seguiu um caminho diferente em Mickey 17. Seu projeto do coração — além de custar mais de 100 milhões aos cofres da Warner e estar envolto em conflitos desde a produção até o lançamento — não tem nada em comum com o vencedor do Oscar de 2020, exceto parte dos temas caros à sua filmografia, como luta de classes, capitalismo tardio, exploração do trabalho e a relação do homem com a natureza.
A ficção científica protagonizada por Robert Pattinson aposta em um humor satírico no lugar do thriller para expor as contradições do sistema. Dessa vez, Bong Joon-ho troca o micro (as casas, os níveis e o jogo de poder entre dois núcleos familiares) pelo macro (o universo, a bioética e uma nova conjuntura mundial). O resultado é uma premissa interessante e um filme bem-sucedido em sua comicidade, mas por vezes excessivo e demasiadamente óbvio.
A narração em off com a voz criada por Pattinson para seu personagem é um recurso utilizado em excesso e contribui para tornar a experiência rapidamente enfadonha. Do mesmo modo, a trilha sonora incomoda pela repetição, e os primeiros trinta minutos de filme parecem uma eternidade. Soma-se a isso as idas e vindas de um roteiro que se esforça para brincar com a ideia de viagem no tempo, embora apenas abasteça o espectador com explicações já repetidas ou desnecessárias, e tem-se um filme comprometido em cansar quem assiste.
A crítica presente no personagem interpretado por Mark Ruffalo — um híbrido de Donald Trump e Elon Musk — é tão mastigada e regurgitada que aproxima a obra mais de Adam McKay do que do cinema de Bong Joon-ho (embora Parasita nem seja exatamente o mais sutil dos filmes). Particularmente, considero Não Olhe Para Cima um produto quadrado e completamente saturado em si mesmo, onde o espectador é subestimado diante de tanta obviedade, e foi essa mesma sensação que tive ao ver Joon-ho gastar bons e preciosos minutos explicando os conflitos bioéticos gerados a partir da tecnologia de impressão.
Os diálogos são bastante expositivos em momentos diferentes, não apenas quando tenta atingir o auge da sua crítica ao sistema, como na cena do jantar. O que me faz acreditar que é um problema inerente à obra, algo que poderia se limitar a uma escolha pontual, de superexpor as contradições do sistema a partir de uma sátira. Por tal razão, sobra pouco pensamento de cinema na crítica tecida para muito trecho de fácil replicação, pouca proposição, dada a complexidade das temáticas, para muita encheção de linguiça.
Ao fim, se existe um trunfo no filme, está no momento em que Mickey Barnes se aproxima de um ser tão alienígena quanto ele e este, por sua vez, o reconhece como indivíduo, não um descartável, ambos fora do sistema desumanizante e predatório capitalista. É apenas nesse momento, já ao final, que o diretor chega a algo verdadeiramente interessante sobre o tema e sobre a humanidade ali exposta. O que me faz pensar que, não fosse querer abraçar o universo inteiro com as pernas, Mickey 17 seria um filme mais coeso e menos bagunçado, despertando mais do espectador que um simples suspiro de cansaço.