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Crítica: Flow

Flow – Ficha técnica:
Direção: Gints Zilbalodis
Roteiro: Gints Zilbalodis, Matiss Kaza, Ron Dyens
Nacionalidade e Lançamento: Letônia, 2024
Sinopse: Gato é um animal solitário, mas quando seu lar é destruído por uma grande inundação, ele encontra refúgio em um barco habitado por diversas espécies, tendo que se juntar a eles apesar das diferenças.

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Desde que foi exibido pela primeira vez no Festival de Cannes 2024, “Flow” angariou apenas amores. O longa vem diretamente da Letônia, uma terra que nem tem grande tradição em animações, quiçá para disputar grandes prêmios internacionais. Mas ele rompeu barreiras, venceu o Globo de Ouro em sua categoria própria e chegou até o Oscar, onde está indicado em Animação e Filme Internacional.

Mas o filme conseguiu conquistar o público e a crítica muito mais pelo seu interior do que as histórias exteriores a ele. Isso porque o cineasta Gints Zilbalodis transforma sua produção em uma grande jornada sobre a beleza de um mundo perdido. E, ao mesmo tempo, em uma incessante busca por respostas sobre os motivos de estarmos aqui.

Na trama, acompanhamos um gatinho. Sem nome, ele é um animal solitário e vive próximo de estátuas de outros gatos, na qual não se sabe os motivos de estarem ali. Certo dia uma grande inundação atinge a região, fazendo com que ele precise encontrar formas de sobreviver, formando uma espécie de equipe e amizade com outras espécies, entre elas uma capivara, um cachorro e um lêmure.

A narrativa simples, direta e sem diálogos remete a uma gamificação desse próprio desenvolvimento. Fica bem evidente como Zilbalodis se inspira muito mais em jogos do que em filmes para idealizar o andar da história, fundamentando o filme em pequenos momentos que, isolados, fazem sentido, e geram ainda mais evidência quanto juntos. Além disso, o olhar bem claro para situações de dificuldades do protagonista – quando, em um game, o jogador precisaria fazer algo para manter o personagem vivo – remetem até mesmo a uma estética de uma narrativa extremamente fluida.

Se, para alguns, isso pode ser um demérito, o diretor consolida sua animação como uma grande jornada cênica por um mundo perdido, a ser descoberto. Os questionamentos ficam evidentes para o público, em especial com a participação humana na criação de construções ou das estátuas. Por que elas foram parar ali? De que maneira elas têm sentido com esse cosmo? Pouco importa. Esses elementos são fundamentais para construir um ambiente mutável, gerando sempre novos desafios e pequenos dramas que fazem com que os animais precisem trabalhar juntos.

Há uma clara memória também da história bíblica da Arca de Noé. Todavia, se lá é o ser humano que tem a ingerência, aqui são os animais, capazes de definir por si só suas vontades, gostos, afetos e, até mesmo, desenvolvimentos. 

O curioso é que os pequenos instantes de “Flow” remetem bastante a uma animação tradicional americana, como a fixação do lêmure pelos artefatos humanos (caso do espelho). É uma piada recorrente que fortalece um laço de conexão entre esses personagens. Contudo, a trama aqui busca sempre uma crueza necessária para sobrevivência, como se, independente das vontades, eles precisariam apenas conviver com o instinto. Não existe espaço para a racionalidade, visto que são animais competindo entre si, de toda forma.

As mutações são tão importantes para Zilbalodis que ele faz uma espécie de jornada do herói com o gato. Ele tem um mentor, precisa testar suas habilidades e ainda é obrigado a ser uma espécie de salvador para esse ambiente de confronto. Entretanto, esse protagonista é alguém também múltiplo pela própria capacidade de conviver nesse ambiente. É alguém que, ao mesmo tempo que vive sob um ambiente de intensa admiração a sua espécie, também enfrenta animais na qual poderiam matá-lo.

Desse jeito, “Flow” se consolida como um filme muito mais repleto de significações do que parece. Elas são sempre centradas nas figuras que se idealizam sobre esses bichos, como o que os humanos esperam deles. Entretanto, também possuem sua própria carga de humanidade. Por isso, o “espelho” na cena final reflete tanto um olhar para si próprio. Após enfrentarmos de tudo um pouco, por qual motivo chegamos aonde chegamos? E, afinal, é possível compreender por que estamos aqui?

Nota: 4/5

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