Crítica: Cassandro
Cassandro
Direção: Roger Ross Williams
Roteiro: David Teague, Roger Ross Williams
Elenco: Gael García Bernal, Roberta Colindrez, Perla De La Rosa, Joaquín Cosio, Raúl Castillo.
Sinopse: Segue a história real de Cassandro, o personagem ”exótico” criado por Saúl Armendáriz, lutador amador gay de El Paso que ascendeu ao estrelato internacional.
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Cassandro é uma biopic interessante e bem-intencionada da jornada de ascensão e descoberta de uma figura curiosa que, de forma envolvente, abriga aspectos culturais muito próprios e se esforça para estar e participar de um ambiente altamente masculinizado e homofóbico. O novo filme que chegou ao Prime Video acompanha a jornada de Cassandro, lutador mexicano de lucha libre, e que por seu perfil menos másculo, é considerado um perdedor logo de saída. Inspirado na história real do lutador Saúl Armendáriz, um homem gay e um exótico, termo utilizado para lutadores drag queens que performam de maneira quase teatral os embates no ringue.
Cassandro é vivido nos cinemas por Gael Garcia Bernal que está excelente ao demonstrar as nuances complexas de sobreviver e obter prestígio nesse cenário. A performance de Gael é sutil. Por vários momentos parece hesitar sobre questões mais complexas ou controversas que caso as encarasse logo de cara poderiam causar algum prejuízo, e errar na sua tentativa de ascensão e reconhecimento seria um caminho sem volta. A direção de Roger Ross Williams faz uma escolha documental com muita câmera na mão que de perto acompanha a jornada de Cassandro, e quando Cassandro brilha nos ringues, a câmera estabiliza e contempla o espetáculo. A direção se sai bem com o material que tinha e é favorecida pela atuação de Garcia Bernal que há muito não tinha tanto espaço para brilhar como faz aqui.
As escolhas visuais chamam a atenção. Cores fortes e brilhosas no rinque exaltam Cassandro, cores frias e tons pasteis perseguem Saúl e sua vida fora dos ringues. A razão de aspecto também ajuda a comunicar o tom mais documental. A opção pelo formato 4:3 parece emular o formato televisivo do final dos anos 80 e início dos 90, quando mais a frente, o filme sobrepõe um formato e qualidade televisa para demonstrar a ascensão e reconhecimento de Cassandro ao grande público. Soma-se a isso, o figurino sempre exuberante e criativo que Cassandro construiu a partir de roupas da mãe, mulher acolhedora e sempre disposta a apostar forte nas escolhas do filho. O design de produção se beneficia por ser um filme pequeno, e deixa sua marca ao ambientar o espectador na época em questão.
Por outro lado, o roteiro não apresenta toda essa regularidade e assertividade dos aspectos mais técnicos. Tudo é muito formal e conservador. Uma história de três atos semelhante a jornada do herói que pouco se coloca para discutir questões mais complexas da vida do luchador. São pinceladas básicas sem grandes conflitos e atravessamentos. Tanto o relacionamento que ele mantinha escondido com outro lutador mais famoso, Gerardo (Raúl Castillo) que não o assumia e a morte da mãe, Yocasta (Perla de la Rosa) que pouco se sente o impacto, apesar de serem momentos relativamente pontuados quando acontecem.
Parecia que os roteiristas David Teagu e Roger Ross Williams tinham tópicos a serem preenchidos com diálogos e situações que desencadeavam outras. Por exemplo: as cenas que envolvem o personagem Felipe, interpretado por Bad Bunny, estão lá sem grandes propósitos. Isso parece ter tirado a possibilidade de desenvolver um pouco mais a relação de Cassandro com sua treinadora Sabrina, papel bem interpretado por Roberta Colindrez, que tem um valor muito importante para a ascensão, e especialmente ao ajudá-lo a se assumir como exótico e colocá-lo como astro da representatividade gay num México e num cenário homofóbico, reforçado em vários planos da plateia com xingamentos.
São escolhas do roteiro que não prejudicam o filme, mas caso fossem aprofundadas teriam rendido mais caldo ao drama dos personagens. Essa falta de respiro parece ter contribuído para a pressa que os assuntos são tratados e ‘’resolvidos’’. Por ser uma cinebiografia, a necessidade de abordar períodos importantes da vida do astro sem grande profundidade é compreensível. Porém, essa escolha caí num lugar comum, no famoso clichê que funciona e não decepciona, e talvez seja esse o preço a se pagar por fazer uma aposta no seguro. Não é um desastre, mas também não é nada impressionante, ainda que a personagem retratada fosse interessantíssima. Sacrifícios corriqueiros do cinema de biografias, afinal, só existe um Christopher Nolan que tem três horas a disposição para fazer a biopic de um homem branco.
Cassandro é mais uma cinebiografia que aposta no seguro para funcionar. Beneficiada pela atuação carismática e entusiasmada de Gael Garcia Bernal, entrega uma narrativa que corre desnecessariamente para dar conta de tudo que se propõe, mas não se isenta em discutir a luta e o luto de uma figura importante para a comunidade LGBTQIA+ mexicana num cenário repleto de preconceitos. Felizmente, apesar dos atravessamentos complexos, Saúl ou Cassandro, uma drag queen dos rinques de lucha libre, colheu e ainda colhe reconhecimento do público e de pessoas queers que buscam representatividade não apenas nas arenas, mas fora delas.