Crítica: Rumo - 55º Festival de Brasília
3 Claquetes

Crítica: Rumo – 55º Festival de Brasília

Rumo – Ficha técnica:
Direção: Bruno Victor, Marcus Azevedo
Roteiro: Bruno Victor, Marcus Azevedo
Nacionalidade e Lançamento: Brasil, 2022 (55º Festival de Brasília do Cinema Brasileiro)
Sinopse: Três linhas narrativas se cruzam para contar a historicidade da implementação das cotas raciais na UnB e seus desdobramentos. O docficção fabula realidades e capta depoimentos de importantes vozes que lutaram pela implementação dessa política afirmativa. Vinte anos após as cotas raciais, Rumo se faz linha temporal imagética para refletir a importância do acesso de negros e negras à universidade.
Elenco: Leni Rabbi e Sierra Veloso.

.

Existem, dentro do debate sobre cinema identitário, postulações que versam a respeito de um fazer artístico distinto, sempre engajado politicamente e comprometido em trazer tudo o que foge do hegemônico: ideologias, existências, práticas, produções, estilos, tradições, corpos, etc. É por meio dessa exibição que a figura marginalizada pode sair dessa condição e migrar diretamente para o curso principal, onde não só circulam diferentes instâncias de poder, como também se concentra a conquista de humanidade, cidadania e liberdade de expressão.

Dirigido por Bruno Victor e Marcus Azevedo, Rumo (Idem, 2022), docudrama cuja estreia apoteótica se deu na noite da quarta-feira última (16/11) durante a Mostra Competitiva Nacional do 55º Festival de Brasília do Cinema Brasileiro, parte dessa necessidade em evidenciar histórias centradas em preocupações que escapam da ordem vigente, a despeito da importância e do decorrente impacto dessas discussões e práticas para a sociedade em geral.

O tema da luta reivindicada pela produção brasiliense é o acesso da população negra à universidade por meio do sistema de cotas raciais, implementado pela primeira vez no início do século XXI na Universidade do Estado do Rio de Janeiro (Uerj), mas solidificado de vez quando a Universidade de Brasília (UnB) a adotou como política institucional e universalizante dali para frente. Ao longo dos breves 70 minutos de duração, os diretores lançam mão de entrevistas com professores universitários, ex-alunos cotistas e membros do grupo EnegreSer, as quais elucidam o processo histórico das ações afirmativas na UnB tanto por meio de relatos pessoais – algumas vezes, até rompendo a quarta parede – quanto por intermédio da parcimoniosa ficcionalização, a qual traz mãe e filho como estudantes de graduação.

Ao adotar um recorte específico (a UnB), os realizadores e a montagem conseguem evidenciar o pensamento corriqueiro de duas décadas atrás, no período de discussão e implantação do sistema PPI, que negava a necessidade de cotas, relativizava o racismo e priorizava a defesa de uma cota meramente social, desconsiderando que esses fatores se avolumam e a questão racial normalmente impera na produção de novas desigualdades. Esses flashbacks, dos quais o mais antológico é o que traz Demétrio Magnoli chamando negros descontentes com suas declarações de “milícia fascista”, ilustram como nem mesmo o ambiente acadêmico, teoricamente regido pelo humanismo e tolerância, também replica opressões, seja através de um discurso ou da dificuldade em criar um quadro de professores afrobrasileiros.

Todavia, o que realmente chama a atenção no projeto é a maneira como representa visualmente a relevância destes relatos: os protagonistas ficcionais, mãe e filho, se põem diante de uma fonte de memória visual (neste caso, um videocassete) e acompanham a trajetória que os levou a frequentar uma das maiores universidades do Brasil. Portanto, embora a temática seja importante para a coletividade ao documentar e relembrar os antecedentes, a consolidação e a consequência das ações afirmativas, trata-se de uma conversa também íntima e motivo de orgulho primeiro para a população preta, parda e indígena, que, finalmente, tem a oportunidade de ocupar espaços privilegiados que outrora lhes foi negado.

Talvez isso explique a reação efusiva da plateia a Rumo, que se torna um dos favoritos ao Troféu Candango deste ano: não há nada como a ânsia em ver uma história sempre desdenhada sendo respaldada por sujeitos exemplares que justificam sua necessidade e pertinência com uma serenidade combativa – na frente ou atrás das câmeras, na frente ou no meio de uma sala de aula. É um poder apoteótico deveras incalculável e, só por isso, Bruno Victor e Marcus Azevedo já mereceriam aplausos suficientes.

Texto escrito por: Júlio Cézar Rodrigues

Deixe seu comentário