Crítica: Como Nossos Pais (2017)
Recusamos constantemente sermos como nossos pais, talvez essa posição seja fruto do envelhecimento. No fim, todos recorremos à nossa origem para justificar características ou decisões ao longo da vida. É tão difícil decidir entre um e outro que, aliado com a pressão social que existe para todos – se torna lamentável a aceitação do tempo percorrido e as diversas outras possibilidades desperdiçadas.
Esses são dilemas universais que atingem o seu limite máximo com a sociedade machista que vivemos, muitos teimam em separar atividades típicas como forma de infantilizar o homem, isolando-o da responsabilidade, principalmente relacionado à criação.
Se há algo certo na vida é que o maior erro que cometemos é classificar as coisas, pessoas e comportamentos. Essa inerência na divisão inconsequente do que é certo ou errado; casto e malicioso etc. Os relacionamentos são as provas fiéis disso: funcionam como o grande método da sociedade para se amarrar na utopia da completude, o castelo de felicidade que, por obrigação das forças positivas, não pode desmoronar. E, convenhamos, que bom é a existência que se permite devastar.
“Como Nossos Pais” conversa com a essência do conceito família e seu desdobramento conforme o amadurecimento das gerações seguintes. O conflito entre criação, desenvolvimento e criação. Um ciclo que as pessoas necessitam para a sua comprovação de passagem pela Terra. Ainda que a família seja objeto de estudo, o faz através de uma personagem extremamente complexa. Rosa (Maria Ribeiro) é uma mulher que acaba de saber por sua mãe que é filha de um outro homem. Essa verdade a leva para uma série de reflexões sobre a sua condição de esposa, envolvida por indiferença de todos os lados e sobrecarregada, ela busca um tempo de silêncio para compreender suas angústias, para que assim possa respirar e sentir.
A câmera fixa na cozinha, a mãe de Rosa, Clarice (Clarisse Abujamra), ao fundo desfocada; é assim que o filme começa. Escondendo a matriarca em um espaço comum (cozinha), vulgarmente conhecida por ser propriedade do feminino. Mas essa decisão ilustra a ironia, pois só o que há em “Como Nossos P a i s” é a mulher em primeiro plano, almejando lugares mais altos e se entendendo como a única peça merecedora de atenção e virtudes.
Curioso é que a partir do tema mulher, partimos para um outro relacionado com a continuidade da trajetória intrínseca entre pais e filhos. E é tão vazio nossa existência que é certeza que em algum momento já pensamos justamente na efemeridade dos bons momentos. O que sobra quando nossos pés cansam, é válido depositar esperanças na filha como uma forma de encurtar caminhos dolorosos? Qual é a relação ideal entre mãe e filha, aquela que projeta, ausenta ou incentiva?
A família senta à mesa e o masculino é privilegiado, todo esse diálogo é tão rápido, em outra ocasião seria a demonstração de uma cena descartável. Mas aqui, pelo contrário, só comprova os poucos segundos que bastam para essa família estagnar, todos julgando um ao outro ou simplesmente omitindo sua opinião. Os personagens saem e a câmera fica fixa, confrontando um ambiente morto.
Os objetos são importantes, por isso há aqui muitos planos-detalhes. Um deles é mostrado, antes de ser mencionado, o livro “Casa de Bonecas” de Henrik Ibsen, uma obra que aborda a mulher como poucos, vinculada ao casamento e sendo, por ele, oprimida. A moça foge do marido, filhos, da sua escolha e reinicia, dando muito mais valor às possibilidades encantadoras da liberdade… ou pelo menos assim antevemos que aconteça.
Uma cena que sintetiza o filme é quando Rosa discute com Dado (Paulo Vilhena) no banheiro, a fotografia permite centenas de significados. O rosto do seu marido aparece em um reflexo no espelho ao fundo, pequeno, enquanto o boxe divide simetricamente o rosto de Rosa em alguns momentos cruciais. Essas divisões no quadro retornam a acontecer só que com Dado, sempre mostrando sua esposa e filha no outro quarto, enquanto ele dorme sozinho no outro.
Impossível não ressaltar as incríveis performances de Maria Ribeiro, Paulo Vilhena e Clarisse Abujamra. Todos eles têm muito carisma e baseiam sua interpretação na naturalidade, algo de extrema relevância para o contexto geral, super profundo no estudo de personagens. A relação entre eles, os diálogos, tudo acontece em uma sintonia muito próxima, visceral, é impossível não se deixar levar e, mais do que isso, há um isolamento dos estereótipos. Os três personagens erram porque são frágeis ao extremo.
A história de Eva é banalizada sutilmente aqui, pois a dedicação mesmo é no desabrochamento da Lilith, a mulher que domina, que está acima. “Como Nossos Pais” busca apoio no feminismo para ressaltar elementos importantes e frequentemente esquecidos em uma relação, principalmente a duradoura. No entanto, de forma alguma se atém exclusivamente aos dilemas enfrentados pela mulher, ainda que a perspectiva aqui seja feminino, o filme é muito importante para os homens, pois busca maneiras de dizer a necessidade da readaptação por amor ao próximo. Quando um se sente completo em base à incompletude de outrem, as coisas visivelmente devem ser repensadas. Por isso não há mal ou bom nas histórias, pois somos todos errantes, em busca de histórias bem vividas e não de restrição e estagnação.
Já faz tempo
E eu vi você na rua
Cabelo ao vento
Gente jovem reunida
Na parede da memória
Esta lembrança
É o quadro que dói mais