Crítica: Acalme Esse Coração Inquieto (2013)
Roberto Minervini é um diretor italiano que traduz com perfeição os limites invisíveis entre documentário e ficção. A observação é a fonte da vida do artista e nada mais justo que existam artistas que trabalhem o audiovisual de forma naturalmente visceral, abrindo as portas para indagação através do silêncio. Há uma violência impressionante na falta de substância, quando a arte não a tem de forma explícita, força a admiração pelos rastros.
“Acalme Esse Coração Inquieto” (2013) é o terceiro filme da “trilogia do Texas”, persegue uma menina chamada Sara de quatorze anos que foi criada em um modelo arcaico e rural, tomada pelas responsabilidades da terra, fruto de esforço físico constante, ela também se envolve diretamente com a crença cristã fervorosa. Esse é o exemplo de filme “momento”, cuja proposta é o registro cru dos passos monótonos dia após dia.
Ainda que tenha algum tipo de narrativa, a ideia principal é deixar-se ser conduzido pela simplicidade dos movimentos e interesses. Sara trabalha e conduz; Sara passeia e revigora; Sara cuida de muitas coisas e negligência a si. O que poderia ser uma crítica direta à forma de vida, algo infinitamente injusto, se torna um delicado tecido do real, a vida é o que há e não cabe nos atermos nos profundos impactos causados no indivíduo por causa do conservadorismo extremo e opressão religiosa. Tudo faz parte da realidade da personagem central, sabemos desde o começo que o documentário não pretende oferecer uma conclusão.
A condição de observar é fruto da paciência, e paciência é o líquido relativo às substâncias existenciais. É fácil esperar que o cinema busque soluções, mas é agressivo a passividade daqueles que repousam e veem sem a pretensão de sonhar. Quando o “ir” é mais importante do que o “quando” ou “como”.
Não que “Acalme Esse Coração Inquieto” (2013) tenha me despertado o maior dos sentimentos, nem ao menos no que toca os trabalhos que mesclam realidade e ficção, vide a maioria dos filmes de Abbas Kiarostami, mas há uma janela para a discussão do que é, de fato, uma experiência cinematográfica, do que é um filme. Os intervalos silenciosos são pérolas jogadas ao mar, que possibilitam a total ausência de afirmação, apenar questionamentos inerentes ao que se vê e que por consequência se sente.
Sara Carlson vive no mesmo tempo que eu, corre em direções opostas e sente o vento sob outras circunstâncias. Mas vive como sou, e isso basta. Os braços que repousam na cintura, as tranças no cabelo, a postura receosa e tímida. O externo de Sara é reluzente, a fotografia extrai da paisagem árida a sua possibilidade mais clara, em contraponto o interno é escuro, quase sempre Sara é pressionada dentro de sua casa nos cantos, ela se faz e desfaz com os bons costumes.
Sara transgride aos poucos, a lentidão é a personificação do símbolo metamorfósico. Adão necessitou da mulher, o que daria indícios da sua superioridade, demonstra simplesmente que ele não sabia, sabe e nunca saberá viver só. Por isso assistimos filmes, encontramos Eva em cada frame.