Crítica: Montanha Cega (2007)
Existem filmes duros, tão densos quanto viscerais, que contemplam uma parte extrema da sociedade e situações que muitas vezes são ignoradas pelas autoridades. A experiência em se assistir “Montanha Cega” (2007) é extremamente dolorosa. A decisão de acompanhar esse filme é importante: no mesmo tempo que necessita de equilíbrio, deve-se ter em mente que é preciso usar aquilo que se sente em prol das reflexões sobre o tema.
Na história espinhosa, seguimos a jovem estudante Bai Xuemei que é enganada e vendida para uma vila remota nas montanhas como esposa de um morador local. A menina fora completamente usada, desde o início, pois imagina estar a caminho de um trabalho o qual a permitiria ajudar sua família que passa por dificuldades, chegando lá se vê nessa rua sem saída, que alcança maior relevância por se tratar de uma montanha com apenas uma estrada para a cidade e sem contar os moradores que se ajudam perversamente e são personificações do homem em seu estado mais bestializado. Com isso, cabe às mulheres compactuarem com essa condição de vida, transformando todo o senso de realismo da obra em algo extremamente devastador. O espectador sabe, desde os primeiros vinte minutos, que se trata de uma obra que destrói e nunca se mostra interessado em curar.
Se o escritor Jack Kerouac em Os Vagabundos Iluminados (1958) associa a montanha ao Buda, no sentido de força superior ao homem, cuja coesão com o silencio e plenitude seja manifestado através dos pés cansados da escalada que, após encontrar um lugar único e específico para repousar, o faz com todo o senso de agradecimento aos “ventos”, “Montanha Cega” (2007) perverte o sentido da maneira mais direta possível. O fato da inocente ser sequestrada em base à sua inocência, a transforma em um ser muito inferior (superior) em comparação às impurezas do mundo. O longa segue o estilo natural, a câmera imperceptível e os atores distribuídos em cena de modo a transparecer a sensação provocada ao assistir documentários.
Tudo é ainda mais impactante por não oferecer soluções, a prisioneira passa a se compreender como tal, mesmo que finja a adequação no sistema de vida dos moradores da vila – ora, há diversos casos assim na própria sociedade que julgamos civilizada, não? – e cada vez que tenta fugir é como se a repetição trouxesse consigo uma infinidade de emoções negativas, do tipo que nos faz detestar nossa própria espécie.
Chocante é o fato de que a omissão também é uma forma de cumplicidade, há alguns momentos onde visivelmente as mulheres, vítimas, resgatam o senso de obviedade nessa atitude de compra humana, como se fosse natural parar de lutar e caminhar conforme o líquido vermelho que escorre nessas terras hostis. A protagonista encontra um certo apoio nas mulheres que vivem a mesma situação, no entanto é amedrontador a forma mecânica que verbalizam a conformidade, são tão corrompidas quanto.
Esse é um filme que se apoia em sua narrativa visceral para contar uma história sem rodeios, que não se limita as resposta, talvez pelo fato de que elas, em uma visão pessimista, não existam. O que nos conduz nos três atos é justamente o desespero de Bai Xuemei que, à medida que se atreve de alguma maneira a rejeitar sua condição, o sistema de vida da vila e os segredos dos moradores vão sendo revelados. Nesse sentido, é preciso ressaltar a força da presença da atriz Lu Huang que, em perfeita sintonia com a naturalidade citada, entrega diversos momentos expressões fortes que traduzem o estado amargo da sua personagem, quase catatônico diante a um mundo sem o mínimo de justiça.