Crítica: Uma Página de Loucura (1926)
Ainda que possua uma história profundamente interessante, que envolve as atitudes tomadas pelo amor ou solidão, esse é um clássico que se dedica ferozmente às sensações. Influenciado pelo expressionismo alemão e com uma propriedade inacreditável para compor quadros macabros, Teinosuke Kinugasa criou em 1926 um filme que apoia-se no estilo documental e que transgride o conceito de terror, alinhando-o com a naturalidade da mente adoecida.
É notável a performance dos atores, que se posicionam com exatidão em cena, fazendo com que seus corpos pertençam ao lugar, sendo desprendidos somente quando se movimentam. Cabe destacar as danças, que além de demonstrar o quanto o teatro kabuki teve participação no começo do cinema japonês, também é utilizado como uma forma de humanizar certas personagens que, motivados pelo aprisionamento em um hospital psiquiátrico, são como pássaros enjaulados. A fotografia da bailarina na parede está visivelmente rasgada e colada, minuciosamente restaurada para sintetizar a dor do passado que teima em não ser esquecido.
As sombras são como deleites tétricos, é a forma que o diretor cria para deixar a atmosfera pesada e claustrofóbica, além das brilhantes inserções oníricas, diversos tambores na trilha que dão energia macabra à loucura e sobreposições de imagens que parecem lamentar o momento anterior em comparação com o seguinte. De fato, são esses elementos que fazem desse longa um documento visual que transcende os limites da mente, além de ser uma perfeita entrada para a história do cinema de terror japonês que, aqui, alinha uma série de referências mas se mantém incrivelmente verdadeiro e diferenciado no final.
É um perfeito exemplo de obra elementar para a experiência humana, quando é preciso estar disposto à enfrentar as diferentes formas de dizer o óbvio, é preciso equilíbrio e silêncio para sentir e racionalizar, muitas vezes, o que não se espera nenhuma resposta. O que sabemos é que para os envolvidos na produção chegarem a tal ponto de surrealismo, foi preciso muito estudo e isso fica claro, é algo apaixonante perceber o quanto “Uma Página de Loucura” (1926) é bem moldado para fazer jus à insanidade intrínseca que discute. A tradução do título não poderia ser mais fiel a estrutura narrativa, por se tratar de um filme curto, são como páginas que passamos com lamentação e extrema petrificação, curiosidade e fascínio.
As máscaras no final, culturalmente tão características no país, representam o limite emocional, é o perfeito charme lúgubre. Esse filme esteve perdido por muito tempo, inclusive ao próprio diretor, isso transforma sua importância em algo próximo ao místico, é o máxima da essência do terror nipônico que, nas décadas seguintes, passaria por diversas transformações, sem nunca esquecer suas origens.