Cerimônia de encerramento da Mostra: esperança na juventude que ferve
A cerimônia de encerramento da 45ª Mostra Internacional de Cinema de São Paulo aconteceu nesta quarta-feira (03) no Vale do Anhangabaú, embaixo do Viaduto do Chá. O jornalista e apresentador Serginho Groisman – que apresentou a cerimônia ao lado da diretora da mostra, Renata de Almeida – disse, emocionado, que a escolha do local onde a premiação foi realizada “é simbólica”. Há 37 anos, em 16 de abril de 1984, acima das cabeças dos presentes, ocorria o comício de encerramento das Diretas Já, onde um milhão e meio de pessoas se reuniram no Vale do Anhangabaú para clamar pelo fim da ditadura militar em direção ao dever de escolher o próprio presidente.
Enquanto se referia àquele momento histórico, Groisman olhava, também, para o desastroso momento político atual, em meio à covid19, mas especificamente à perseguição feita pelos líderes de nosso país à cultura. O cinema nacional como “indústria” (ênfase nas aspas) está sendo, há tempos, desmantelado (e nossos patrimônios históricos pegando fogo literalmente). O apresentador pediu para que as próximas cerimônias de encerramento da Mostra continuassem sendo realizadas no Viaduto do Chá, de fato um ambiente que proporcionou uma cerimônia, em meio ao Covid, com um ambiente de vida que urbana que há tempos não se sentia no Auditório do Ibirapuera.
Mas o simbolismo existia, também, porque Urubus, um dos grandes vencedores da noite (levando o Prêmio do Público de Melhor Ficção Brasileira e o Prêmio da Crítica de Melhor Filme Brasileiro), teve a companhia em peso do elenco e amigos para a premiação. Eram skatistas, grafiteiros e colegas, muitos sem experiência em atuação até a realização do filme, causando alvoroço não só pela vitória, mas por estarem nessa premiação composta majoritariamente de um certo elitismo intelectual em muitos dos frequentadores da Mostra, e que vem sendo quebrado aos poucos. São aqueles prêmios que farão a diferença, que podem mudar a vida de muitas daquelas pessoas que não precisam de validação, mas sim de serem notados. O grito “a favela venceu” soltado por muitos da equipe representa bem isso.
Assim, não haveria melhor lugar para a premiação do que no Vale, onde diariamente, quase que de forma religiosa, as tribos jovens retratadas no filme já se trombam. Como fizeram, também, horas antes da premiação, com suas manobras de skate, como num dia comum. Mas não era um dia comum. O “silêncio, por favor” que Renata pediu para o grupo do filme nas premiações que seguiram, após a vitória de Urubus, foi muito simbólico. Não existia nenhuma má intenção por parte da gigante diretora da Mostra, ano após ano se desdobrando junto de sua equipe para fazer o festival acontecer, apenas querendo que os vencedores seguintes pudessem fazer seu discurso. Mas não tinha jeito. Urubus foi um fenômeno naquela noite, e foi impossível conter a energia do grupo.
Em meio ao Prêmio Leon Cakoff, que foi entregue à atriz, diretora e produtora baiana Helena Ignez – outro momento contagiante da noite –, e ao belo e acalorado discurso do ator e diretor Caco Ciocler pela vitória de O Melhor Lugar do Mundo É Agora, que levou o Prêmio do Público de melhor documentário brasileiro, é pelo furor da galera de Urubus (encabeçada pelo ator Gustavo Garcez) ecoado por todo o Vale do Anhangabaú, que aquela noite de premiação será lembrada. Nesses momentos em que o cinema nacional queima, é a esperança nos artistas jovens que representa o futuro. É a juventude que ferve.