Crítica: Mar Infinito – 45ª Mostra de São Paulo
Mar Infinito – Ficha técnica:
Direção: Carlos Amaral
Roteiro: Carlos Amaral
Nacionalidade e Lançamento: Portugal, 2021 (45ª Mostra de São Paulo)
Sinopse: Um homem que procura juntar-se ao resto da humanidade na colonização de um novo planeta descobre que a sua viagem intergaláctica começou muito antes.
Elenco: Nuno Nolasco, Maria Leite, Paulo Calatré, António Durães, Pedro Galiza.
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Os filmes sobre viagem espacial já se tornaram quase um sinônimo de explorar e discutir questões que no final das contas são muito particulares e íntimas. Um conceito tão grandioso como conhecer novos planetas e organismos na imensidão do cosmos entre as estrelas se torna, na mão de alguns cineastas, uma possibilidade para discutir conceitos puramente mundanos, como solidão, identidade e abandono. Corrigindo: os filmes podem abordar a viagem espacial, mas não são exatamente sobre viagem espacial. Entre os exemplos de obras que adotam essa abordagem, temos clássicos como Solaris, 2001 – Uma Odisseia no Espaço e Contato, sendo os exemplos mais recentes filmes como High Life, Gravidade e Ad Astra.
O português Mar Infinito pretende se inserir nesse grupo. Não no panteão das obras e autores citados acima (reconheço que é um desserviço para qualquer filme ser introduzido com citações a tais produções, que provavelmente serviram, em maior ou menor grau, como influência), mas sim no grupo de obras que pretendem explorar o âmago humano utilizando a viagem interestelar como base para seus questionamentos, signos e simbolismos.
É muito oportuno então que o filme, escrito e dirigido por Carlos Amaral e exibido na Competição de Novos Diretores da 45ª Mostra de SP, comece justamente com umaimagem comum nesse tipo de produção: com o protagonista Miguel (Nuno Nolasco) e sua musa Eva (Maria Leite), submersos, a imensidão do mar representando o espaço sideral. A grata surpresa é que Amaral e seu editor André Guiomar fazem um crossfade (a sobreposição de dois planos separados) com uma visão do espaço, de forma com que as pequenas bolhas da água se mesclam e se confundem com as estrelas ao fundo, construindo uma imagem evocativa que consegue trazer alguma inovação para uma ideia tão utilizada nesse tipo de produção.
No entanto, a imagem de praxe com o protagonista em posição fetal, simbolizando um retorno ao útero, está presente no filme como em tantas obras do tipo. Isso não seria um problema, signos existem e são reutilizados, mas essa característica de reciclagem se encontra na maior parte de Mar Infinito. Possuindo um claro orçamento limitado, Amaral tenta ser criativo em como retrata visualmente o futuro distópico visto aqui, onde algumas pessoas foram deixadas na terra enquanto esperam por uma oportunidade de migrarem para outro planeta para colonização. O diretor procura incluir outdoors digitais ao fundo do quadro nas áreas externas ou em planos gerais da cidade para que tenhamos essa impressão futurista, da mesma forma em que os foguetes que transportam pessoas para a colonização são representados por raios azuis que, pela clara natureza computadorizada, acabam funcionando na ideia de que este é um elemento sci fi, um construto fantástico.
Mesmo que se passe em Portugal, elementos como esses outdoors e algumas mensagens eletrônicas, externadas através da – já característica – voz feminina são frequentemente feitas em inglês. Se haveria a possibilidade de extrair-se algum tipo de comentário sobre estrangeirismos ou superpotências norte-americanas, o efeito não é sentido aqui justamente porque a narrativa, mesmo que não linear tal qual a forma com que os personagens se relacionam aqui, soa justamente americanizada. Ou, então, como uma a versão americanizada do que é um filme indie sobre o espaço – e sente-se isso frequentemente na plasticidade da fotografia de Jorge Quintela, uma plasticidade que contradiz a ideia de que este mundo solitário de alguma forma representa alguma decadência da sociedade.
Pelo contrário, existe a frequente sensação, até mesmo pela beleza estereotípica de seus protagonistas, de que estamos assistindo a alguma peça polida de publicidade.
Olhemos para esse vazio através do outro comentário sobre solidão que o filme pretende abordar, como se essa plasticidade, essa esterilidade representasse a forma que o mundo é visto por Miguel. Simplesmente não há força no texto ou em seus dilemas para que essa abordagem se valide, e o roteiro, também, do diretor, se restringe a falas poéticas sobre o romance um tanto quanto artificial vivido pelo sujeito e Eva, algo que nunca sai do lugar comum ou chega ao menos no instigante. O que temos são proclamações desse amor e diálogos com pretensões simbólicas sobre o medo de nadar do seu protagonista, sobre solidão, sobre inadequação, que nunca conseguem, de fato, se tornar interessantes, muito porque o filme apresenta esses questionamentos e os responde no didatismo através dos coadjuvantes, como o eventual companheiro de trabalho de Miguel que diz coisas como “O que você procura não está aqui. Está lá em cima”.
Mar Infinito quer ser um filme existencial, enigmático e reflexivo sobre a condição humana, mas acaba se revelando uma produção que apenas veste essa roupagem, onde a construção do universo e as dinâmicas de personagens soam derivativas, onde o que se vê são universos e personagens de plástico, onde tudo parece uma peça publicitária estetizada para agradar o olho do espectador médio, e isso incomoda tanto justamente pela roupagem alternativa.