Crítica: O Diabo de Cada Dia (Netflix)
O Diabo de Cada Dia traz um grande elenco em uma trama que conversa mais com nossa atualidade do que podemos imaginar.
Ficha técnica:
Direção: Antonio Campos
Roteiro: Antonio Campos, Paulo Campos
Nacionalidade e Lançamento: Estados Unidos, 16 de setembro de 2020 (Netflix)
Sinopse: Em um período histórico logo após a Segunda Guerra Mundial, O Diabo de Cada Dia acompanha diversos personagens num canto esquecido de Ohio, nos Estados Unidos. Entre eles, um veterano de guerra perturbado, um casal de serial killers e um falso pregador, além do filho do veterano de guerra, que herdou seus fantasmas.
Elenco: Robert Pattinson, Tom Holland, Haley Bennet, Riley Keough, Bill Skarsgard, Harry Melling, Sebastian Stan, Mia Wasikowska, Eliza Scanlen, Jason Clarke.
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Vivemos tempos de desesperança: em um mundo violento que nos obriga a responder com a força, precisamos carregar conosco os fantasmas das gerações passadas e ressignificá-los – ou encontrar nossa redenção. Nesse sentido, o longa que estreou na Netflix se encaixa no zeitgeist: é fruto de seu tempo.
Novo filme do cineasta Antonio Campos, “O Diabo de Cada Dia” traz uma adaptação literária que não disfarça: tem o próprio escritor da obra original narrando os sentimentos dos personagens, emulando a experiência da leitura, e traz personagens que parecem ter mais elementos do que aqueles vistos em tela.
Um casal de serial killers certamente tem mais páginas dedicadas a eles no livro, mas aqui serve como um dos pontos da trama que envolve Arvin (Holland), filho de Willard (Skarsgard), que parece ser uma ponta de esperança em meio ao ambiente nublado com personagens sofridos ou violentos.
“O Diabo de Cada Dia” fala de fanatismo religioso: uma fé cega norteia os personagens, à espera de um milagre que nunca vem. Porque neste microcosmo não há um Deus misericordioso, há somente a punição que vem de cada um, e não do poder dos céus. Note que é Arvin quem mais toma atitudes e também o menos afeito às orações. Os mais fieis, inclusive, são vítimas dos fanáticos ou se entregam à morte por não suportarem a dor.
O filme tem uma alegoria interessante: uma promessa de casamento não cumprida, feita por alguém que não tinha o real poder de realizá-la. A punição divina que desgraça os personagens – e é herdada por seus filhos – pode representar as promessas não cumpridas das gerações anteriores. Da fato, vivemos um período em que repensamos os erros dos nossos antepassados, e a fé exacerbada é um deles.
É fato que O Diabo de Cada Dia apresenta tais questões, se aprofunda em personagens, mas também não oferece tantos elementos a serem trabalhados. Podemos refletir sobre eles, mas o filme pede a todo tempo por referências externas em sua análise, não se bastando em si mesmo para ir além. Mesmo que seja superior à média dos filmes com selo de “original Netflix”, o longa ainda assim tem uma profundidade calculada: não é demasiada, e assim acomoda grande parte do público que acessa o serviço de streaming. E isso também faz parte do espírito de seu tempo.