Crítica: O Homem Cordial – 43ª Mostra de São Paulo
O Homem Cordial retrata tensões raciais e sociais, diferenças de gerações, tecnologia e privilégios.
O filme está em exibição na 43ª Mostra de São Paulo.
Ficha técnica:
Direção: Iberê Carvalho
Roteiro: Iberê Carvalho, Pablo Stoll.
Nacionalidade e Lançamento: Brasil,
16 de agosto de 2019 (Festival de Gramado)
Sinopse: Na noite de retorno
aos palcos de uma famosa banda de rock dos anos 1980, um vídeo que envolve
Aurélio Sá, vocalista e líder da banda, na morte de um policial militar,
viraliza na internet.
Elenco: Paulo Miklos, Thaíde, Dandara de Morais, Thalles Cabral, Murilo Grossi, Roberta Estrela D’Alva.
Quando vemos o começo de “O Homem Cordial”, a primeira coisa que podemos pensar é que ele vai explorar a questão das injustiças feitas na internet com base em acusações sem embasamento. O que logo se percebe é que, para além disso, ele vai falar sobre relações entre classes e raças, o racismo estrutural no Brasil e os privilégios dos brancos.
A história é fictícia, mas se baseia em diversas histórias que já ocorreram. Paulo Miklos vive um roqueiro que está voltando a fazer shows com sua banda, que fez sucesso há algumas décadas. Mal está recomeçando, e já terá que lidar com uma realidade que não existia antes: a rapidez das redes sociais em proliferar vídeos e inverdades. O vídeo que viralizou na internet mostra Aurélio protegendo um menino negro de um linchamento, fato ocorrido minutos antes de o policial também envolvido na briga ser morto.
Iberê Carvalho confere uma agilidade à sua câmera, sempre próxima do rosto dos personagens, e assim consegue dar um sentimento de urgência que o longa exige. Aos poucos, o roteiro nos mostra que o que está acontecendo é um pouco maior do que parece, sem que seja necessário explicar demais. Há alguns momentos de explanações mais mastigadas, mas no geral o filme toma seu tempo para mostrar ao espectador o que realmente está acontecendo.
“O Homem Cordial” tem a maior parte de sua narrativa passando-se em uma única noite, e isso confere ao longa uma urgência interessante, ainda que para isso alguns personagens e reviravoltas precisem ser um tanto exagerados: jornalistas hackers descobrem as coisas convenientemente naquele momento?
O filme é feliz em algumas escolhas importantes para que funcione como denúncia e retrato de questões sociais: o fato de Aurélio não responder às rimas da MC que o confronta é tão interessante quanto o fato de o único lugar em que não há hostilidade em relação a ele é na periferia, aonde ele vai para buscar informações sobre o menino que protegeu no início. Afinal, ele é acusado de ser responsável pela morte de um policial, o que enfurece mais especificamente a classe média.
Ainda assim, “O Homem Cordial” consegue impactar e retratar a situação de privilégio do protagonista branco, em oposição ao que ocorre com os personagens negros, especialmente o menino desaparecido.
O que confere um poder especial para o filme é seu final, quando o diretor opta por mostrar o que realmente aconteceu. Isso dá mais ênfase à sensação de injustiça causada pelo racismo. A cena final mostra algo fundamental para que o espectador reflita.
“O Homem Cordial” não é um filme perfeito. A mixagem de som me causou a impressão de que as vozes não se encaixavam nas falas e o som saía na mesma intensidade, não importando o lugar ocupado pelo ator na mise-en-scène.
Mas é melhor um filme importante do que um filme “perfeito”.