Crítica | O Filme da Minha Vida
O Filme da Minha Vida é adaptação romântica do livro de Antonio Skármeta
Ficha técnica:
Direção: Selton Mello
Roteiro: Selton Mello, Marcelo Vindicatto
Elenco: Johnny Massaro, Vincent Cassel, Bruna Linzmeyer, Selton Mello, Ondina Clais, Bia Arantes, Martha Nowill, Erika Januza, Miwa Yanagizawa
Nacionalidade e lançamento: Brasil, 2017 (03 de agosto de 2017)
Sinopse: O jovem Tony decide retornar a Remanso, Serra Gaúcha, sua cidade natal. Ao chegar, ele descobre que Nicolas, seu pai, voltou para França alegando sentir falta dos amigos e do país de origem. Tony acaba tornando-se professor, e vê-se em meio aos conflitos e inexperiências juvenis.
Na coletiva de imprensa de O Filme da Minha Vida, o ator e diretor Selton Mello falou sobre suas inspirações, sensibilidades como cineasta e sobre como se apaixonou instantaneamente pelo livro Um Pai de Cinema, de Antonio Skármeta (renomado autor de O Carteiro e o Poeta), obra que dá origem a este filme estrelado por Johnny Massaro, Vincent Cassel e outros grandes talentos. No evento, algumas coisas ficaram claras: o apego de Mello pelo livro (que possui até um apaixonado prefácio escrito pelo mesmo), e que a produção é daquelas raras de sintonia entre escritor e diretor, onde o diretor tem a liberdade para transmitir espiritualmente as sensações passadas pelo livro. Dessa forma, é sintomático que O Filme da Minha Vida seja um filme de fã. Uma carta de amor de Mello ao livro, enfim, uma idealização romântica daquelas páginas transposta, despejada – através das belas imagens fotografadas pelo grande Walter Carvalho– para as telas. Dito isso, como toda idealização, como toda romantização, há uma sobreposição de sentimentalismo que pode ser perigosa do ponto de vista cinematográfico…e do controle que você tem sobre sua obra.
Serras Gaúchas, 1963. O jovem Tony Terranova precisa lidar com a ausência do pai, que foi embora sem avisar à família e, desde então, não deu mais notícias ao filho. Tony é professor de francês num colégio da cidade, convive com os conflitos dos alunos no início da adolescência e vive o desabrochar do amor.Apaixonado por livros e pelos filmes que vê no ci-nema da cidade grande, Tony faz do amor, da poesia e do cinema suas grandes razões de viver. Até que a verdade sobre seu pai começa a vir à tona e o obriga a tomar as rédeas de sua vida.
O título de O Filme da Minha Vida é bem literal quanto às pretensões de Mello. Tendo como musa inspiradora a própria sétima arte, o diretor realiza um trabalho daqueles que reverenciam o cinema enquanto linguagem, e, ambientando-se na mente de seu narrador, recebe uma roupagem em tons sépias que escancaram sua natureza fantasiosa. Quando o Tony de Johnny Massaro observa, extasiado, as garotas da geração beat (todas quase pin-ups, enraizadas justamente na idealização romântica e arquetípica daquela época), seu personagem literalmente levita, numa sequência de sonho cômica mas um tanto óbvia e exagerada (até mesmo pela escolha óbvia de música). Esta cena, que possui uma artificialidade (seja os figurinos das garotas, na música, ou o próprio exagero da trilha sonora e de como a sequência é filmada representando o onírico), resume eficientemente esta obra, que se passa na cabeça de um jovem romântico, de um poeta incorrigível que transforma sua vida literalmente, num filme.
Essa lógica fabulesca reside nos nomes dos próprios personagens (que são diferentes de suas contrapartes no livro). Tony Terranova é daquelas aliterações quase super-heroicas. Se por um lado essa abordagem é interessante, por outro, ela prejudica o filme por nunca aprofundar todos os seus personagens de fato. E quando o filme é desses de transição para a vida adulta (o tal do coming of age), carregado de reviravoltas dramáticas, é necessário que nos importemos realmente com aquelas pessoas, o que nem sempre acontece, nesses arquétipos engessados do jovem solitário, da it girl da escola, do pai ausente…
O que não quer dizer que os atores não estejam excepcionais em seus papeis. Com uma postura física que escancara sua insegurança, o Tony de Johnny Massaro consegue passar sentimentos sem mesmo verbalizá-los, e seu olhar triste e distante consegue dizer muito mais que as poéticas falas que saem de sua boca. Essa tristeza contida é partilhada por Sofia, sua mãe, vivida por Ondina Clais com uma voz aconchegante, mas que esconde anos de dor. As irmãs Luna e Petra, vividas pelas belas e talentosas Bruna Linzmeyer e Bia Arantes não têm muito o que mostrar, servindo mais como os já mencionados arquétipos que servem para o “crescimento” do personagem. Se o excelente Vincent Cassel não precisa se esforçar muito para atribuir carisma à Nicolas, pai de Tony, é o próprio Selton Mello que transforma Paco em um dos personagens mais interessantes da narrativa, e parte disso vem da própria personalidade de Paco, que parece diferir daquelas pessoas que proferem cada frase como se fosse a mais bela e poética já feita (a cena na qual Luna, num plano close-up, conta um sonho que teve para Tony é um exemplo disso).
E esse lirismo reflete, novamente, essa idealização romântica do diretor Selton Mello pelo trabalho que adapta. Este é um filme apaixonado desde o início pela história que quer contar, pela obra de Skármeta, por seus personagens, mas falta justamente um estofo, mais que esta visão plana – mas inegavelmente bela – desta história. Essa beleza vem na fotografia, na trilha orquestrada, nos figurinos e nas próprias paisagens, filmadas na bela Serra Gaúcha. É uma pena, então, que Mello esteja – talvez de forma até pretensiosa – tão deslumbrado com a própria história que a conta como se fosse desde já um clássico, e se os trechos do clássico Rio Bravo (1959) se encaixam na narrativa de uma forma bonita, ela também vem acompanhada de uma certa pedância.
Voltando às palavras do próprio Mello, sobre Antonio Skármeta, ao se questionar sobre o por quê de o autor o escolher para adaptar esta obra: “um sonhador reconhece o outro”. Desta forma, O Filme da Minha Vida acaba sendo nada mais do que um filme de fã, daqueles românticos, repletos de paixão, com uma bela mensagem. Porém, como a maioria dos apaixonados, ele se deixa levar pelas próprias idealizações, numa obra que extrapola um conto que já era fabulesco, mas, em seus contornos de resolução artificial e “final feliz”, acaba por anular qualquer efeito mais dramático que poderia ser extraído de seus personagens, que nunca podem se tornar reais, aprisionados nessa realidade de cinema mágica e imaculada, mas também artificial que Selton Mello – sonhador – propõe.