Crítica: Trago Comigo (2016)
Trago Comigo é metalinguístico e multilinguístico, mas perde muita força na execução.
Ficha técnica:
Direção: Tata Amaral
Roteiro: Willem Dias, Thiago Dottori
Elenco: Carlos Alberto Riccelli, Felipe Rocha, Georgina Castro, Emílio Di Biasi, Selma Egrei
Nacionalidade e lançamento: Brasil, 16 de junho de 2016
Sinopse: Telmo é um diretor de teatro e é convidado para reinaugurar um espaço que ele já trabalhara. A peça por ele escolhida trata da época de guerrilha e luta armada que viveu. Ela serve também para que o diretor relembre uma parte obscura do passado.
Os militares governaram o país durante 21 anos. Durante esse período, mesmo com a repressão a ideias contrárias, muitos grupos se articularam e integraram a luta armada, tudo na clandestinidade é claro. No cinema temos obras como “O Ano em que Meus Pais Saíram de Férias” (2006), “O Que É Isso, Companheiro?” (1997), “Pra Frente Brasil” (1982) e muitos outros abordaram o tema.
Em Trago Comigo há um mini documentário com depoimentos reais. O protagonista Telmo em uma busca pelo passado esquecido, especialmente a incógnita chamada Lia. O ensaio da peça dirigida por ele, onde vai relembrando fatos e passando a experiência da guerrilha para os jovens atores. Além da encenação da peça em si, ilustrando de modo cênico o ocorrido.
A diretora Tata Amaral, usa, portanto, de 4 vias para falar sobre o tema. Todas as linguagens ocorrendo simultaneamente. Esse artifício funciona em partes, como quando reverbera os depoimentos reais na peça. Mas quebra muito o ritmo da narrativa de um jeito tal que nos tira da imersão. Ainda assim, na média, tal recurso é bem sucedido.
Um grande problema, contudo, é o excesso de didatismo de Telmo ao mostrar o lado dele, pró-luta armada. Já o protagonista de peça (Miguel Jarra, interpretado por Felipe Rocha) faz as vezes de um quase antagonista ao questionar os ideais de Telmo. Mesmo com um conflito de gerações possibilitando pontos de vista diferentes, o tom fica muito forçado e pobre. Alguns discursos de Miguel soam inocentes e até amadores. Parece que na ânsia em demostrar o viés, a direção carregou a mão demais. Penso que para defender um ponto é interessante ter um outro lado com viço. O questionamento sobre a ausência de negros na luta armada é interessante. O não uso da palavra “mano” ou então um personagem se referir a eles como “terroristas”, sendo prontamente corrigido, já não funciona tão bem – soando artificial.
A narrativa também peca ao não aproveitar bem os personagens. A assistente de direção e o cenógrafo/iluminador são apenas funcionais. Há um romance entre Telmo e Mônica no começo do filme, mas a fisicalidade da relação é abandonada. A recusa de um personagem de falar sobre o passado do Telmo é incoerente com o discurso final. E o drama do Telmo é monotônico com insights do passado pouco convincentes.
As atuações tem altos e baixos. O mais experiente do grupo é Carlos Alberto Riccelli. Ele consegue transmitir confusão mental, paternidade, ciúmes e emoção. Em algumas cenas passa um pouco do tom, mas ainda condizente com o personagem. Já Georgina Castro é muito inconstante, gritando mais falhas do que acertos na atuação dela. Por exemplo na primeira cena a jovialidade é passada com segurança, nas outras a atriz não consegue manter o peso que a personagem deveria ter. Felipe Rocha só não se sai bem nas discussões, quando precisa que o personagem que ele interpreta atue passa uma verdade maior.
Apesar de não ter um acabamento mais cuidadosos em várias cenas, um ar professoral desnecessário e um forte ar pró-luta armada, a mensagem de “o Brasil é um país sem memória” dita no começo é bem passada. Seja no esquecimento pessoal de Telmo, seja na questão social mais ampla. Vale também o destaque para os bastidores do teatro desde a parte estrutural do local até os ensaios em si. O caráter teatral também é sentido em toda a dinâmica do longa (com exceção da parte documental).
Trago Comigo carece de um maior zelo e se mostra instável em vários momentos. As várias facetas de formato se mostraram um jeito inteligente de abordar o tema, ficando Trago Comigo caracterizado por ter uma forma melhor que um conteúdo. Com muitas ressalvas, pode sim valer a pena de ser visto.