Crítica: #Era dos Gigantes (2016)
#Era dos Gigantes mostra como falar de um tema sisudo de forma leve sem perder a consistência.
Ficha técnica:
Direção: Maurício Costa
Roteiro: Maurício Costa e Anttonio Amoedo
Entrevistados: Celso Amorim, Cristovam Buarque, Luiz Felipe Lampreia, Mino Carta, Rubens Barbosa, Samuel Pinheiro Guimaraes, Sergio Leo, Matias Spektor, Oliver Stuenkel
Nacionalidade e lançamento: Brasil, 2016 (pré-estreia em junho e seguindo para temporada de festivais)
Sinopse: um recorte das atividades da política externa brasileira no período de 2003-2010. Dando voz a membros ativos do governo na época, opositores, jornalistas e pessoas de renome.
O Brasil vive um momento de efervescência política. Debates acalorados nas redes sociais e no Congresso. Amizades desfeitas e uma polarização simplista à parte, um dos pontos positivos é que o tema passou a se tornar pauta em conversas cotidianas. Todos sabemos que hoje a situação interna está pegando fogo, mas que tal lembrarmos como se deu a política externa brasileira durante o governo Lula? Importante dizer que não tenho como objetivo analisar questões partidárias ou de posicionamentos políticos. Este texto se aterá apenas às questões cinematográficas.
O tema pode parecer restrito às classes de quem faz Relações Internacionais, Ciências Políticas, Diplomatas ou áreas afins. Contudo, dada a abordagem do longa podemos perceber o assunto muito mais vívido que a acinzentada descrição pode transparecer.
Nomes de peso são entrevistados para nos passar, de forma didática, a visão deles anos depois dos eventos. Ícones como: Celso Amorim, Cristovam Buarque, Luiz Felipe Lampreia, Samuel Pinheiro Guimaraes, entre outros se fazem presentes. Além, é claro, do ex-presidente Lula. Concordando ou não com os respectivos discursos, o fato é que Maurício Costa, diretor de #Era dos Gigantes, conseguiu um material muito rico. Costa, além de diretor é diplomata, professor e crítico de cinema. Ele é coeditor do site Razão de Aspecto. Há uma mescla de depoimentos (gravados em 2015) com discursos (entre 2003-2010).
As minúcias da política externa daquele período são postas em tela em vários “temas”. Vemos um realinhamento com outros países que estão no mesmo patamar de crescimento, questionamentos sobre a aproximação com a Venezuela, a China como novo elemento no tabuleiro e notadamente a contraposição ao EUA. Este último ponto cercando vários momentos do documentário.
A condução dos temas é feita de forma fluida. Há o tempo necessário para se trabalhar o assunto, mas sem saturar o público. Os cortes, tanto de um tema para outro, quanto a mudança dos entrevistados, são feitos de forma precisa. Como são vários relatos feitos de forma simultânea, conferimos a posição de cada um dos personagens sobre o tema. Vamos construindo nosso conhecimento sobre o assunto a partir dos pontos de vistas, por vezes variados e em outras situações em consonância. Mesmo com essa pluralidade, muitos momentos careceram de um equilíbrio melhor.
Na parte técnica, a trilha (Raul Seixas e Cazuza- interpretado por Gal Costa) vem em momentos pontuais e jamais grita mais que o texto. Além do som, em vários instantes sentimos algo visualmente diferente do formato tradicional. Após uma certa confusão inicial percebemos que somos colocados em uma tela sobre tela. Alguns elementos se assemelham à plataforma do Youtube, por exemplo. Gerando um bom engano no público. Há um recurso de colocar, durante as falas, tuites da época. Em geral eles vem como contraponto ao que está sendo posto pelo entrevistado. O que acrescenta mais um viés ao debate. Essas são boas tentativas de modernizar o formato.
Ainda sobre a identidade visual, a apresentação com os nomes/cargos dos entrevistados só é feita duas vezes. Quem não conhece fica perdido e acaba não lembrando quem é quem. Há também uma filmagem, em especial com o Celso Amorim, que vemos o entrevistador e a câmera aparecendo – filmado intencionalmente por outra câmera. Tal recurso não acrescenta em nada e sobra, de modo negativo, no contexto geral.
A introdução do documentário foi rápida, não ocupou tempo e já jogou o espectador no que realmente o diretor queria mostrar. O último arco tem um debate melhor realizado e flui melhor narrativamente. Por outro lado, faltou alguma tomada no corte final. O término foi com uma cena que tem valor, mas poderia jogar ou um texto ou imagens além. Faltou uma cena para um impacto mais impressionante.
Um excesso de didatismo em inserções narradas em off incomodou. As explicações começam com um “você deve estar pensando o que é X”. Em seguida corta para uma animação e a narração dá a resposta. O filme se mostra bem apresentável para um público leigo, não era imprescindível tal elemento.
#Era dos Gigantes tem o mérito de abordar um tema não muito palatável, mas o faz – na maioria das vezes – de uma maneira que situe o público neófito e não fique redundante para o especialista. Ou seja, o filme tem um público alvo, porém é passível de ser apreciado como obra cinematográfica por quaisquer públicos. Ele falha em alguns pontos técnicos e em certos detalhes da abordagem, mas consegue construir um ambiente florescente sobre um período da nossa história contemporânea. #Era dos Gigantes foi feito de forma independente, e com pouco dinheiro pelo diretor Maurício Costa, mas a aparência vai além de muitas obras mais bem orçadas. Valendo, portanto, ser conferido.
Resumo
#Era dos Gigantes tem o mérito de abordar um tema não muito palatável, mas o faz – na maioria das vezes – de uma maneira que situe o público neófito e não fique redundante para o especialista. Ou seja, o filme tem um público alvo, porém é passível de ser apreciado como obra cinematográfica por quaisquer públicos.