Crítica: Divertida Mente
E eu que sempre pensei que alegria fosse o contrário da tristeza. Que o medo fosse o contrário da coragem, e que a raiva fosse o contrário da ternura. Hoje, sei que não. Sei que não é possível sorrir verdadeiramente sem ter chorado (o que os bebês fazem primeiro?). E que para encontrar a coragem, é preciso vencer uma batalha contra o medo. Se detestamos algo, é porque há outra coisa no mundo que merece o nosso carinho.
“Divertida Mente“, nova animação da Pixar, dirigido por Pete Docter e Ronaldo Del Carmen, consegue aflorar ainda mais sentimentos no espectador do que aqueles exibidos na tela.
No longa, acompanhamos Riley, uma menina feliz que se vê obrigada a mudar para San Francisco, o que causa um rebuliço na sua mente, confundindo os sentimentos e emoções que regem sua vida. A ideia não é nova: muitos já idealizaram visões bem-humoradas de como funciona a mente humana. Mas ninguém o fez de forma tão lúdica, criativa e bem elaborada como “Divertida Mente”.
Depois de produzir obras primas como “Up – Altas Aventuras”,”Ratatouille” e “Wall-E”, seria difícil imaginar que da mesma empresa de animação sairia algo tão diferente como este filme. E não pela ideia, ou pela trama, mas pelo desenvolvimento dos personagens e pelo design de produção. Cada ambiente mostrado da mente de Riley é desenhado de forma a refletir coisas que todos nós passamos – e fica difícil não tentarmos imaginar como seriam nossas mentes nesta concepção. Além de o roteiro estabelecer de forma orgânica a relação entre as emoções de Riley, também conhecemos um pouco dos sentimentos do pai e da mãe da menina. Vale notar, neste momento, como a direção de arte é cuidadosa em inserir elementos diferentes em cada uma das “salas de comando” da mente de cada um dos diferentes personagens.
No entanto, quando se analisa apenas a explorada mente de Riley e os acontecimentos que lá ocorrem, conseguimos encontrar diversas nuances, desde as engraçadas às mais emocionantes. A constante presença de uma música “chiclete” em diversos momentos, os medos do subconsciente surgindo nos sonhos, a presença das “memórias-base” e especialmente o local para onde vão os elementos esquecidos da vida são interessantes não apenas na concepção, mas também na função que dão à narrativa, já que trata-se de uma criança de apenas 11 anos, que ainda está no processo de conhecer o mundo e a própria mente.
De forma simples, mas jamais simplória, “Divertida Mente” nos mostra que é necessário deixar para trás algumas coisas da infância, permitir ruírem algumas ilhas que antes eram tão importantes, para que elas deem espaço a novos elementos. Ainda assim, aquele elemento tão infantil, e perdido para sempre, é fundamental para que a alegria siga seu caminho – e a trama é sutil ao mostrar isso.
Mesmo com uma dublagem brasileira que muitas vezes deixa a desejar, “Divertida Mente” é eficiente ao mostrar, em uma trama concisa, como se desenvolvem a maturidade e as descobertas internas de alguém – e no momento em que Riley se sente feliz e triste ao mesmo tempo, é impossível o espectador não se emocionar ou não se lembrar de quando teve um sentimento parecido. No que diz respeito aos diálogos, note como eles nunca são artificiais e sempre soam como algo que realmente sairia da boca de uma criança de 11 anos, principalmente quando ela se desentende com a amiga de sua cidade natal, sem saber expressar o que realmente sente.
É possível que a nova animação da Pixar não alcance a mesma bilheteria de tramas mais “palatáveis” como as franquias “Monstros S.A.“, “Toy Story” e “Carros”. É até mesmo provável que atinja muito mais os adultos que as crianças. Mesmo assim, é um dos melhores filmes já feitos pelo estúdio.
“Divertida Mente” é Simples-Mente extraordinário e Extraordinária-Mente simples. No entanto, os sentimentos de cada um de nós são muito complexos. E esta união da complexidade com a simplicidade é tão bela quanto a união da alegria com a tristeza. A beleza da vida está no misturado:
“Que isso foi o que sempre me invocou, o senhor sabe: eu careço de que o bom seja bom e o rúim ruím, que dum lado esteja o preto e do outro o branco, que o feio fique bem apartado do bonito e a alegria longe da tristeza! Quero todos os pastos demarcados… Como é que posso com este mundo? A vida é ingrata no macio de si; mas transtraz a esperança mesmo do meio do fel do desespero. Ao que, este mundo é muito misturado… (João Guimarães Rosa, Grande Sertão: Veredas)
5/5