Crítica: Os Descendentes
Quem já assistiu a pelo menos um filme de Alexander Payne já consegue entender que tipo de marca o diretor deixa em seus filmes. Dramático e cômico, o diretor consegue extrair grandes atuações, emocionar e fazer rir com uma simplicidade difícil de se encontrar no cinema hollywoodiano. Talvez seja por esse motivo que Payne faça típicos filmes “de Oscar”, que agradam a Academia.
“Os Descendentes” conta a história de Matt King (George Clooney), um advogado que mora no Havaí e precisa lidar com a difícil situação de ver sua mulher em coma e lidar com as filhas, com quem não tem boa relação. A partir de então, ele entra em uma jornada rumo à superação das dores, ao bom relacionamento com a pequena família, e à aceitação de que deverá viver sem a esposa.
A atuação de Clooney é concisa, econômica e perfeitamente sincronizada com a confusão e o desamparo no qual o personagem se encontra. As atuações, em geral, são muito boas, com destaque para, além de Clooney, Shailene Woodley (a filha) e Robert Forster (o sogro).
O filme, já no começo, se sente na necessidade de verbalizar ao espectador que viver no Havaí não é como os outros pensam (que tudo é praia e surfe), o que subestima a inteligência de qualquer um, já que o espectador certamente vai sentir isso durante a projeção. Ao mesmo tempo em que usa locações lindas em meio à natureza do arquipélago e às casas da alta sociedade havaiana, o filme consegue ser sutil ao ter a câmera adentrando as casas como uma visita não convidada (como Payne já fizera em Sideways), e também foca na gravidade da situação em que o senhor King encontra sua vida.
Com uma trilha sonora que força “goela abaixo” o clima de “estamos no Havaí, embora não pareça” ao espectador, o filme também faz um discurso pró-natureza com uma decisão importante do protagonista nos minutos finais, em um momento cujo “mote” clichê soa artificial em meio à trama. Não que a decisão não seja orgânica à narrativa, mas a maneira como é colocada faz o filme soar, neste momento, como uma comédia barata.
Mas as qualidades de “Os Descendentes” se sobrepõem aos eventuais tropeços. A combinação de cenas dramáticas e cômicas está no limite certo, já que a comicidade sempre precede ou antecede momentos mais tensos, além de sempre soar orgânica à trama. Nos momentos dramáticos, o diretor consegue ser sensível sem pieguice em nenhum momento, além de não ter nenhuma intenção desesperada de arrancar lágrimas de quem assiste.
A respeito das relações humanas, “Os Descendentes” é bastante sensível e realista. O relacionamento de Matt King com as filhas é exatamente como o de qualquer pai ausente que, ao tentar se aproximar, fica confuso e não sabe como agir. Ao mesmo tempo, o filme consegue retratar as relações pouco próximas entre King e seus primos, enquanto que o personagem Sid, alívio cômico, é responsável por um dos mais belos diálogos do filme, em meio à luz de um abajur. Ainda sobre as relações humanas, é muito interessante a sutileza, no início do filme, com que o diretor trata uma briga de casal quando uma personagem secundária diz com naturalidade: “Não tem problema, estávamos só brigando”.
Clooney vive um personagem confuso e triste, mas que ao mesmo tempo tem caráter e coragem de enfrentar os erros e problemas, além da hombridade de encarar o “vilão” (com muitas aspas, no caso) e convidá-lo a visitar sua esposa no leito de morte. É na coragem de enfrentar as difíceis relações interpessoais, até mesmo com a esposa inerte, que o protagonista conquista o público ao causar identificação.
O título “Os Descendentes” também é importante de ser analisado. Além de Clooney viver um descendente de ricos proprietários que encara um problema que ele não criou (e nem mesmo a saúde de sua esposa foi causada por ele), ele também tem descendentes (as filhas) cujo futuro lhe preocupa (até mesmo na hora de vender o terreno, na cena destoante do filme), mas ao mesmo tempo será influenciado pela perda da mãe. Todos nós somos descendentes de ações dos nossos avós e tataravós, e (quase) todos nós temos descendentes que sofrerão os efeitos das nossas ações, mesmo vivendo em um paraíso chamado Havaí.
Baseado no livro de Kaui Hart Hemmings, “Os Descendentes” é um bom filme. Embora mereça ingressos, não é tão bom o suficiente para merecer algum Oscar (exceto por George Clooney, quiçá).
Nota: 3 claquetes