Eu Cinéfilo #18: Terror – A Arte de Provocar Medo
Desde os primórdios, as historias de terror estiveram presentes no imaginário do ser humano acompanhando cada época. Por este motivo o gênero terror tem sido apresentado através de diversas manifestações artísticas, como a literária, musical, em desenhos e pinturas, fotografias, entre tantas outras, como a cinematográfica.
Para compreender este último é preciso visualizar mais de um ponto, começando pelo sentir. Podemos encontrar a síntese do que um filme deste gênero deve ser através do que ele transmite para seu espectador, e isso encontramos ao ver os sinônimos da palavra “terror”, são eles: medo, pavor, pânico, susto e temor.
Quem se propõem a ver um filme deste gênero sabe exatamente quais sensações irá encontrar, e é justamente esta questão da previsibilidade destes filmes que os tornam tão fascinantes.
Um bom filme de terror é aquele que consegue extrair o mesmo conjunto de sentimentos de forma original, trabalhando o “tradicional” de maneira convincente, ou seja, o velho susto de uma nova forma.
Outro fator importante para compreender este gênero dentro da 7ª Arte vem de uma das citações mais famosas de Lovecraft, que diz: “A emoção mais antiga e mais forte da humanidade é o medo, e o mais antigo e mais forte de todos os medos é o medo do desconhecido”.
Como já mencionado, o terror sempre esteve presente na história humana, e isto se deve pelo desconhecimento do homem. Por este motivo o terror assumiu diversos aspectos ao longo dos anos, e isso é apresentado de forma concreta ao analisarmos o gênero terror dentro do cinema.
Os irmãos Auguste e Louis Lumière apresentaram pela primeira vez sua invenção, o cinematógrafo, na Paris de 1895, e foi lá que tivemos a primeira faísca, ao ser exibido “L’Arrivée d’un Train à La Ciotat”, que provocou pânico na plateia ao mostrar um trem avançando sobre diante da câmera. Um ano depois George Meliès produziu o primeiro filme de Terror da história com dois minutos de duração chamado “A Mansão do Diabo”.
• Começo do Século 20
Com o advento do expressionismo alemão, o cinema passou a abordar uma atmosfera sobrenatural e a fotografia gótica. Como exemplo temos o filme “O Gabinete do Dr. Caligari” [Dir. Robert Wienne em 1919], e “Nosferatu” [Dir. W. Murnau em 1922], que influenciaram toda a produção cinematográfica de terror nos anos seguintes.
• Década de 30
Os Diretores passaram a basear o enredo dos filmes em lendas europeias, vampiros, cientistas loucos e aristocratas insanos. Temos então “Drácula” (de Bram Stoker) e “Frankenstein” (de Mary Shelley) como as principais figuras retratadas pelo gênero. E atuações marcantes de Bela Lugosi (como Drácula) e Boris Karloff (como cientista em Frankenstein) em 1931.
• Década de 40
Devido à Segunda Guerra Mundial, os filmes de Terror foram proibidos em muitos lugares da Europa. Os estúdios da Universal, que ficaram conhecidos na época anterior pelos filmes de monstros, passam por uma forte crise, o que permite outros estúdios embarcarem neste gênero, todos ainda influenciados pelo expressionismo alemão. Exemplos destes filmes são: “A Morta-Viva”, “A Ilha dos Mortos”, “O Retrato de Dorian Gray” e “Na Solidão da Noite”.
• Década de 50
Com a ameaça atômica, os filmes deste período passaram a focar em temas científicos e sobrenaturais. Criaturas surgidas de experiências, bolhas assassinas e tarântulas gigantes eram o que provocavam medo e horror.
Nesta mesma época o cineasta inglês Alfred Hitchcock mudou a maneira de provocar o terror nos espectadores, ao não mais deixar explicito o que causava pavor, criando assim o “Terror Psicológico”.
• Década de 60
Década marcada pelos grandes clássicos como “Psicose” (1960) e “Os Pássaros” (1963) de Hitchcock, “A Pequena Loja dos Horrores” (1960) de Roger Corman. O diretor ainda deu chance a novos atores e diretores como Robert De Niro, Martin Scorcese e Francis Ford Coppola. Outro grande nome do gênero foi George Romero, que produziu “A Noite dos Mortos-Vivos” (1968), conhecido hoje como o criador dos Zumbis como conhecemos. E neste mesmo ano, Roman Polanski alcançou o sucesso com “O Bebê de Rosemary”.
• Década de 70 e 80
Os efeitos especiais são os grandes responsáveis pelo medo levado ao público nesta época com filmes como “Tubarão” (1975), que chegou a deixar praias vazias por muito tempo, e “Poltergeist” (1982), que tonaram-se clássicos do gênero.
Os anos 70 marcaram o auge dos filmes de possessão, entre eles “O Exorcista” (1973) e “A Profecia” (1976). Nesta mesma época o diretor Brian De Palma inaugurou a série de adaptações das obras de Stephen King, com “Carrie, A Estranha” (1976), o que inspirou a maior adaptação do escritor no cinema, “O Iluminado” (1980), mesmo o mesmo referindo-se à adaptação como a pior de todas as suas obras.
Além disso temos outros dois pontos importantes neste período, “Alien, o Oitavo passageiro” (1979), de Ridley Scott, trazendo a possível ameaça alienígena; e os filmes independentes “O Massacre da Serra Elétrica” (1974) e “Halloween” (1978), com seus assassinos misteriosos, e mais “realistas”, e graças à inspiração em Tobe Hooper e John Carpenter temos nos anos 80 as grandes franquias de Sexta-Feira 13 e A Hora do Pesadelo, começando uma nova onda de terror nas telas.
Nesta mesma época Sam Raimi surge com seu filme independente “The Evil Dead – A Morte do Demônio” (1982), uma obra prima do horror com algumas das cenas mais repugnantes e violentas já filmadas, tudo de forma avassaladora, trazendo consigo o horror explícito.
• Década de 90
Devido à tecnologia apresentada nos anos 80, o videocassete, a indústria dos filmes de terror passou por um decremento em sua qualidade, com muitos filmes sendo lançados diretamente em vídeo. Salvo exceções como “Drácula de Bram Stoker” (1992) de Francis Ford Coppola, o independente filme “Fome Animal” (1992) de Peter Jackson, a adaptação do livro “Entrevista com o Vampiro” (1994) de Neil Jordan, e a releitura de Frankenstein de Mary Shelley (1994) de Kenneth Branagh.
Porém, os anos 90 ficaram marcados pelos filmes que retomaram a estética da década anterior, fazendo uso de um grupo de jovens perseguidos por um assassino serial. Encabeçando uma longa lista de filmes com esta “estrutura” temos “Pânico” (1996) de Wes Craven, que com boas criticas acabou impulsionando esta temática, e com isso surgiram filmes como “Eu Sei o que Vocês Fizeram no Verão Passado” (1997), “Lenda Urbana” (1998), entre tantos outros, cada vez mais carentes de qualidade, assim como suas respectivas continuações.
A grande ruptura nesta época foi o filme independente “A Bruxa de Blair” (1999), escrito e dirigido por Daniel Myrick e Eduardo Sánchez, o primeiro em formato de pseudodocumentário. Foi um dos primeiros filmes também a fazer uso do novo meio de comunicação de massa, a internet, o que lhe rendeu milhões logo no início.
• Século XXI
Em meados dos anos 2000, os diretores e roteiristas passaram a usar pragas, feras e catástrofes naturais em suas produções, mostrando os seres humanos como vitimas. O fim do mundo e os possíveis riscos tecnológicos também foram temas muito explorados, como a ameaça zumbi em “Madrugada dos Mortos” (refilmagem de 2004).
Em 2002 os coreanos surgiram com Jian Gui (no Brasil é “A Herança”) usando a mitologia budista como pano de fundo. A mesma temática espirita foi usada por M. Night Shyamalan em “O Sexto Sentido” (1999), mostrando que esta linha espiritual já estava sendo usada na transição dos Séculos XX e XXI, o que possibilitou a vinda de diversos filmes de terror oriental, pois sua cultura está muito mais enraizada na questão do mundo espiritual.
É possível observar que esta temática apenas se intensificou de uns anos para cá, provavelmente devido à triste realidade brutal em que nós vivemos hoje, onde a violência tem se mostrado cada vez maior. Para que os filmes de terror de hoje consigam extrair o medo desejado, eles tem mergulhado no que seria a essência do verdadeiro mal, voltando a trilhar os caminhos da década de 70, considerado o auge dos filmes de possessão.
Além de sua situação temporal, nos cabe saber avaliar qual é a proposta que o filme nos quer apresentar, ou seja, qual é seu intuito como filme de terror, e para esta análise devemos adentrar nos chamados subgêneros, lembrando que existem varias classificações para o gênero do terror, porem nenhuma é oficial.
Abaixo será apresentado uma possível classificação, considerada uma das mais completas.
• Thriller – O mais conhecido e aclamado, este subgênero é caracterizado pelo seu suspense e pela tensão. Muitos dos grandes filmes se encontram nesta categoria, porém também é a que traz o maior numero de títulos (ex. Psicose, O Exorcista e [REC]).
• Slash – Marcado pelos anos 80 tem como objetivo trazer um serial killer, onde o espectador já é apresentado ao assassino logo de cara, geralmente esses filmes são carregados em cenas fortes. (ex. Sexta-Feira 13, Helloween e Chucky – O Brinquedo Assassino).
• Teen – Apresentado nos anos 90 sempre envolve um grupo de adolescentes, e quando há um assassino este geralmente está inserido no meio deles. (ex. Pânico, Eu Sei o que Vocês Fizeram no Verão Passado e Premonição).
Nota do Autor: O filme O Segredo da Cabana satiriza este subgênero.
• Sci-Fi – Definido apenas pelo fato de trazer uma ameaça alienígena ou cientifica, independente se o filme se passa no espaço ou na Terra (ex. Alien, Predador e A Experiência).
• Gore – Sua principal marca são as cenas fortes, seu objetivo é chocar o espectador. (ex. The Evil Dead, O Albergue e Maníacos).
Nota do Autor: O titulo da obra original The Evil Dead no Brasil é encontrado como Uma Noite Alucinante – Parte 1 – Onde Tudo Começou, pois houve uma verdadeira bagunça, já que sua continuação chegou primeiro aqui, antes do original.
• Natural Terror – Destinado a mostrar os animais como verdadeiros monstros (ex. Tubarão, White Dog e Cujo).
• Vehicle Terror – Tem como objetivo fazer uso dos veículos como condutor do terror (ex. Encurralado, Christine – O Carro Assassino e À Prova de Morte).
Nota do Autor: Uma observação interessante é que Encurralado foi o filme que lançou Steven Spielberg nos cinemas, ele foi muito elogiado pela critica, o filme é de 1972.
• Trash – O único da linha de terror que foge de sua essência, pois seu intuito inicial não é o de provocar o medo mas sim o de arrancar rizadas através de um humor negro com suas cenas horrendas, e histórias banais. (ex. A Volta dos Mortos-Vivos, Palhaços Assassinos do Espaço Sideral e Piranha 3D).
• Shockumentary – Fazendo uso do estilo documentário, este subgênero traz atrocidades e violência explicita se utilizando de cenas reais. (ex. Faces da Morte e Traços da Morte).
É importante lembrar que muitas vez estes subgêneros podem vir a se mesclar, em um mesmo filme, por esta questão não devemos nos prender a qual linha o filme tende a abordar.
De uma maneira mais simplificada eu procuro encarar os filmes de terror em quatro formatos, são eles:
• Suspense – Onde o enredo toma conta de todo o terror. (ex. Os Outros e A Entidade).
• Psicológico – O filme se mantem focado em um determinado personagem e é ele que irá levar á tensão. (ex. O Iluminado e O Bebê de Rosemary).
• Gore – A descrição é a mesma, chocar o espectador com as cenas mais fortes possíveis. (ex. Viagem Maldita e Doce Vingança).
• Primal – Tudo se baseia na frase: “Se correr o bicho pega, se ficar o bicho come”. (ex. O Massacre da Serra Elétrica e Rogue).
Com base nisso, é possível compreender se um filme alcançou seu objetivo ou quando deixou de ser o que ele se propõe.
Um exemplo disso é a franquia “Jogos Mortais” (Saw), seu primeiro filme de 2004 é escrito e dirigido por James Wan e Leigh Whannell, um excelente terror, com uma trama bem orquestrada trazendo sem dúvida muito suspense e tensão. Porém seu sucesso foi enorme o que lhe proporcionou mais duas continuações iniciais, não mais pelas mãos de seus criadores mas sim por Darren Lynn Bousman e Leigh Whannell, que tentaram amarrar à historia original.
Com uma troca constante de escritores e diretores a cada continuação a trama foi ficando cada vez mais rasa e logo o filme deixou de caminhar no sentido de um suspense para exibir um filme puramente Gore.
Espero que esta explanação sobre os filmes de terror possa ter enriquecido os amantes deste gênero como também possa ter explicado um pouco sobre o mesmo aos que desconhecem ou nunca gostaram e sempre fizeram a ligação de que filmes de terror são filmes ruins. Apresentando aqui diversos títulos e inúmeros diretores que cresceram sob o manto sombrio desta vertente da 7ª Arte.
O que não foi citado neste artigo é que além dos grandes diretores e atores que tiveram um papel importante neste gênero, transformando muitos destes filmes em clássicos e cult, o gênero terror em si é que sempre foi muito importante para o mundo cinematográfico, trazendo muitas inovações, como jogo de câmeras, o uso de luz e sombra, técnicas como stop motion e até mesmo o pseudodocumentário, assim como a formação de muitos diretores e atores. Também é importante mencionar que os efeitos especiais, antes do uso da computação era todo estudado e aperfeiçoado nestes filmes, tornando assim o gênero de terror uma grande oficina neste universo cinematográfico.
Acha que grandes atores só fizeram grandes produções? Reconhece algum ator desta pequena lista com clássicos e filmes B do gênero?
• Jack Nicholson – A Pequena Loja dos Horrores (1960)
• John Travolta – Carrie, a Estranha (1976)
• Mickey Rourke – Escuridão da Morte (1980)
• Kevin Bacon – Sexta-Feira 13th (1980)
• Johnny Depp – A Hora do Pesadelo (1984)
• Drew Barrymore – Cat`s Eye (1985) e Pânico (1996)
• George Clooney – De Volta á Escola dos Horrores (1987) e A Volta dos Tomates Assassinos (1988)
• Leonardo DiCaprio – Criaturas 3 (1991)
• Jennifer Aniston – Leprechaun (1993)
• Owen Wilson – Anaconda (1997)
• Jack Black – Eu Ainda Sei o que Vocês Fizeram no Verão Passado (1998)
• Jared Leto – Lenda Urbana (1998)
• Keira Knightley – O Buraco (2001)
• James McAvoy – Um Grito Embaixo D’água (2001)
• Scarlett Johansson – Malditas Aranhas (2002)
Lembre-se: se estiverem assistindo a um filme de terror e de repente uma porta bater e você pensar duas vezes em ir verificar o porquê do ocorrido, pode ter certeza de que o filme já cumpriu sua tarefa.
Texto escrito por:
José Quirino de Arruda Filho