Crítica: O Lobo de Wall Street
Em um determinado momento do filme “Tropa de Elite”, de José Padilha, o espectador se vê torcendo pela morte de “maconheiros” e a favor da violência, o que nos leva ao questionamento mais importante do filme: em que tipo de pessoa a sociedade está me tornando? Afinal, estamos nos transformando em pequenos monstros.
É a este mesmo patamar que “O Lobo de Wall Street” nos leva: em certos momentos, nos divertimos, rimos e celebramos com Jordan Belfort (Leonardo DiCaprio), por mais cruel e desprezível que ele seja durante toda a projeção: afinal, a sociedade, de certa forma, nos transformou em verdadeiros apaixonados pelo dinheiro e por tudo o que ele nos permite comprar, em detrimento de qualquer amor próprio ou dignidade.
É neste ponto que Martin Scorsese começa a fazer de “O Lobo de Wall Street” algo incrível, embora polêmico. Ao fazer do protagonista uma figura que permite o espectador se aproximar tanto, o diretor mostra todos os detalhes e a realidade de uma vida totalmente voltada a ganhar dinheiro de forma absurdamente asquerosa.
Muitos espectadores dirão que o filme faz apologia à ganância indiscriminada e ao uso de drogas, mas isso é bastante questionável: Scorsese – e o roteirista Terence Winter – se utiliza de elementos sutis para, na verdade, condenar estas práticas sem jamais deixar de ser realista.
Uma das formas mais descaradas do roteiro é a maneira desprezível como Belfort trata o espectador ao subestimá-lo quanto à compreensão de como são feitas as operações na bolsa de valores, em um dos vários momentos em que o filme quebra a “quarta parede”. Assim, o filme mostra que trata-se de um personagem totalmente egoísta, que não dá valor nem mesmo a quem escuta sua confissão (o livro no qual o filme se baseia é justamente a forma como o verdadeiro Jordan se utilizou para confessar).
Em outro momento da projeção, Belfort e Donnie (Jonah Hill) humilham brutalmente um funcionário recém-contratado porque ele está limpando um aquário, ou seja, desperdiçando seu tempo. No ambiente da empresa de Belfort, ainda temos diversos momentos em que ele se pronuncia diante de seus funcionários que, em êxtase, vibram com cada grito e frase de incentivo do patrão, em uma similaridade assustadora com certas igrejas, cujos líderes vem conquistando má fama justamente por se aproveitarem da inocência de algumas pessoas (assim como o protagonista faz, tanto em relação aos funcionários quanto, principalmente, em relação aos pequenos investidores).
Já no terceiro ato do longa, o protagonista chega a colocar sua filha pequena em um carro, causando momentos de pânico para alguém que não entende o que está acontecendo. Desta forma, é mostrado ao espectador como o personagem chegou ao momento mais baixo possível de sua humanidade.
De fato, “O Lobo de Wall Street” poderia mostrar com mais ênfase as pessoas que sofreram com as atividades ilegais (e mesmo as legais, porém imorais) de Belfort e seus comparsas, mas é possível entender que Scorsese não quis ser didático e nem subestimar seu público.
Em certo momento, Scorsese faz questão de mostrar a forma triste como uma secretária ganha dinheiro após rasparem sua cabeça, mostrando-a alheia à festa bizarra que acontece na empresa – escolher esta situação degradante como a principal ação de uma festa é uma escolha interessante a se analisar.
Mas nada disso faria de “O Lobo de Wall Street” um ótimo filme se não fosse pelas atuações intensas: se Leonardo DiCaprio combina cenas cômicas e características de uma pessoa asquerosa e desprezível, Jonah Hill consegue caracterizar seu personagem de forma a deixá-lo no limite entre o ridículo e o caricatural, criando uma das muitas nuances do filme que alertam para o papel ridículo que estes personagens se prestaram a fazer – e ao nos fazer rir das situações absurdas, o filme nos faz parecermos todos ridículos, já que sabemos que tudo isso aconteceu de verdade.
Outros atores que merecem destaque neste longa são Margot Robbie que, não contente em presentear o filme com sua beleza estonteante, cria uma personagem forte e consegue fazer cenas interessantes. Mas Matthew McConaughey e Kyle Chandler como Mark Hanna e o Agente Patrick Denham, respectivamente, protagonizam as duas melhores cenas do filme. Ainda no primeiro ato, McConaughey faz uma “iniciação” de um Jordan Belfort ainda ingênuo, em uma cena que já prevê o quão ridículo o protagonista vai se tornar. Na metade da projeção, Kyle Chandler encena, junto com DiCaprio, o melhor diálogo do filme, que mostra a falsidade de dois inimigos em uma conversa que vai se tornando cada vez mais ameaçadora, mesmo que sutilmente, até que Belfort perca o controle no final.
“O Lobo de Wall Street” é uma verdadeira condenação de como o dinheiro da especulação é irreal e só serve para deixar endinheirado o corretor mau-caráter, atrapalhando a vida de todos que voltam para casa de metrô, cansados de mais um dia de trabalho – e quando isso é mostrado no filme, pouco antes de vermos um Belfort recém-saído da prisão palestrando sobre vendas, Scorsese mostra sua visão realista do mundo: cabe ao espectador escolher que tipo de vida, entre Belfort e Denham, que deve ser valorizada.