Crítica: Serra Pelada
Em uma entrevista, Heitor Dhalia (O cheiro do ralo) afirmou que os resultados da pesquisa que fez durante um ano, antes de filmar “Serra Pelada”, mostravam histórias completamente diferentes. Um dos ex-garimpeiros com quem o cineasta conversou disse sobre a comparação de sua história com outra: “a serra pelada dele é diferente da minha”. A partir destes resultados de pesquisa divergentes, Dhalia decidiu que, se cada um tem a sua Serra Pelada, ele teria a dele.
Deve ser por isso que o filme mostra dois amigos muito diferentes: Juliano (Juliano Cazarré) e Joaquim (Júlio Andrade), que abandonam tudo para tentar conquistar riqueza no garimpo. Mas o tudo de Juliano era nada, porque o “grandão” não tinha deixado ninguém para trás, enquanto que o tudo de Joaquim, o “professor”, incluía sua esposa com um bebê na barriga. Embora Joaquim seja o narrador (que, na tentativa de um conquistar um público maior, resolve explicar tudo direitinho em off), é Juliano quem sobressai, graças à personalidade mais marcante e à ganância que vai crescendo aos poucos, enquanto que Joaquim é mais honesto e passivo. A falha do filme está, portanto, em querer deixar ambos os personagens como protagonistas, sendo que seria muito mais interessante que apenas Juliano o fosse.
Mas se Cazarré e Andrade atuam com confiança, são os “reis” do cinema nacional que roubam a cena com seus personagens secundários: Matheus Nachtergaele como Carvalho e Wagner Moura como Lindo Rico criam figuras únicas. Enquanto Carvalho é o chefão de todos que comanda com sua brutalidade e dinheiro, Lindo Rico é um homem aparentemente inofensivo que procura vencer na lábia, mesmo que seja violento quando necessário, e destacam-se os trejeitos engraçados que o ator criou.
É nas figuras típicas da cidade próxima a Serra Pelada e na fotografia claramente inspirada nas fotos de Sebastião Salgado que o espectador sente o clima da narrativa. Homens cobertos de lama arriscam suas vidas em escadas lamacentas, enquanto os ricos do local ganham mais dinheiro sujando as mãos com sangue em vez de barro. O figurino e a direção de arte são cuidadosos e incrivelmente detalhados.
Uma das falhas do longa reside na relação entre Juliano e Tereza, já que o diretor parece não se decidir entre uma relação de amor e ódio quase brega – vista especialmente em uma fuga da ex-prostituta – ou uma relação de total dominância. Embora a atriz Sophie Charlotte esteja bem em sua estreia no cinema, o roteiro não decide se ela é uma coitada que precisa de amparo ou a famosa “mulher de malandro”, já que acaba indo morar com o homem que mandou matar seu “namorado” anterior.
Ao menos o roteiro foi sábio em não terminar a história apenas com o final feliz, mas também mostrar a continuidade da violência na região da ganância que intitula o filme.