Crítica: Estômago
(atualizado: onde se lê São Paulo, entenda “cidade grande”, já que o filme foi gravado em Curitiba, mas isso não é explicitado e não faz diferença para a trama)
Enquanto a trilha sonora te leva à Itália romântica das massas, molhos e vinhos, as unhas sujas do migrante nordestino que chega em São Paulo nos lembram da realidade do nosso país.
Raimundo Nonato (João Miguel) é um rapaz muito simples que chega em São Paulo e logo começa a trabalhar em um bar. Seus dotes culinários o fazem ir parar em um sofisticado restaurante italiano. A realidade brutal da maior cidade do Brasil contrasta com a humildade e ingenuidade de Nonato. Mas trata-se de um filme de contrastes.
Primeiro longa de ficção do diretor Marcos Jorge, “Estômago” contrasta até mesmo com outros filmes de culinária. Afinal, trata-se de um filme sobre comida: sobre a arte de cozinhar, o prazer de degustar um bom vinho, o capricho na hora de temperar. Mas os filmes que falam disso são geralmente românticos, bonitos, leves. “Estômago”, como o título evidencia, é um filme visceral, cru e realista.
A fotografia da cidade de São Paulo, fria, mostra isso. A atuação naturalista de João Miguel e Fabíula Nascimento (mergulhados profundamente em seus complexos personagens) também mostra o realismo. Mas pare: a música suave invade a tela, e farinhas, salsinhas, cebolas e frituras encantam a vista e nos fazem querer saborear frutas do mercadão, carpaccio fresquinho e coxinha de boteco. É um filme de contrastes.
Raimundo Nonato está na prisão. O que ele fez para chegar lá, só o tempo (de projeção) dirá. Enquanto isso, assistimos ao simples cozinheiro conquistar o poder dentro de sua cela. Com ajuda de alguns carcereiros, os prisioneiros conseguem comprar alecrim, queijo gorgonzola e muitos outros ingredientes sofisticados e aparentemente estranhos em uma prisão. Afinal, é um filme de contrastes.
Prisão, prostituição, crimes. Ao mesmo tempo em que a rusticidade da capital vai fazendo parte da descoberta do mundo de Nonato, diálogos e palavrões vão fazendo o público gargalhar. Você sabe: é um filme de contrastes.
O protagonista, que surgiu como alguém humilde, ignorante e fadado à mediocridade, conquista o poder de uma forma inimaginável. Com ajuda da boa culinária, aquela esperteza escondida atrás dos olhos baixos surge vitoriosa. O deleite gastronômico, neste filme, se dá por meio da agressividade. Contrastes.