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Crítica: Eddington

Eddington
Direção: Ari Aster
Roteiro: Ari Aster
Nacionalidade e Lançamento: Estados Unidos, 2025
Elenco: Joaquin Phoenix, Deirdre O’Connell, Emma Stone, Micheal Ward, Pedro Pascal, Cameron Mann, Matt Gomez Hidaka, Luke Grimes, Amélie Hoeferle, Clifton Collins Jr., William Belleau, Austin Butler.
Sinopse: Em maio de 2020, um impasse entre um xerife e um prefeito de uma pequena cidade gera um conflito entre vizinhos em Eddington, Novo México.

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Após sucessos como Hereditário e Midsommar, Ari Aster parece estar caminhando em direção a uma liberdade criativa que conta com cada vez menos restrições e maiores orçamentos. Seu último lançamento antes de Eddington, Beau Tem Medo, é de uma esquisitice metade freudiana, metade nonsense. Confesso que tentei terminar esse filme mais de uma vez, mas não tive sucesso, fui vencida pelo tédio e acabei desistindo. Por essa razão, achei que não me importaria com o novo lançamento do diretor que, apesar do elenco estelar e dos temas contemporâneos que o cercam, passou longe de ser um sucesso de crítica quando estreou em Cannes, em maio deste ano.

Comecei Eddington um tanto desanimada, de um lado pela repercussão inicial, do outro pela pouca simpatia com o diretor e sinopse, que parecia seguir uma checklist dos chamados temas “importantes” da contemporaneidade. A trama segue o prefeito (Pedro Pascal) e o xerife (Joaquin Phoenix) da pequena cidade de Eddington, localizada no deserto árido dos Estados Unidos, em disputa política em meio à pandemia de Covid-19. O ano é 2020 e, enquanto jovens se radicalizam por meio da internet e teorias conspiratórias, que pairam sobre a formação da opinião pública, uma empresa tem interesse em construir um data center na cidade.

No filme, a internet é catalisadora do caos proeminente deste século e da aparente alucinação que o diretor retrata por meio de um faroeste contemporâneo que encontra o humor peculiar em diversos momentos (menção especial para a cena em que Firework, de Katy Perry, é a protagonista). A abordagem de Aster promove um diálogo interessante e cheio de nuances entre o faroeste mais clássico e os dilemas contemporâneos sociais, como a maneira que as redes sociais e os próprios dispositivos tecnológicos diversos influenciam a percepção de realidade dos personagens. A relação destes com o ambiente virtual é uma premissa importante para a construção dos conflitos engatados no filme, seja no âmbito da disputa política dos personagens principais ou na maneira como estes se relacionam com personagens secundários — o que me leva a achar o roteiro um dos seus pontos mais fortes.

O maior mérito é humanizar os personagens, até mesmo os mais duvidosos, para dizer o mínimo, a fim de torná-los algo além de um totem que está ali para simbolizar embates ideológicos. Todos os personagens estão repletos de contradições, desde os jovens brancos, os quais possuem uma visão superficial e “algoritimizada” da realidade social em que estão inseridos, até o prefeito de origem hispânica neoliberal e corrupto e o xerife, que é capaz de cometer homicídio, plantar provas e culpar um policial negro para se salvar. Nenhum deles está imune às críticas e tal perspectiva é justo o que enriquece o filme com uma complexidade mais verossímil da realidade dos fatos, longe do preto no branco em que boa parte dos filmes recentes caem ao tentar propor discussões similares (de Não! Não Olhe! até Uma Batalha Após a Outra).

Todavia, não é nenhum absurdo dizer que Ari Aster é um diretor pouco habilidoso e que seus filmes costumam dar mais certo pelas histórias do que pela sua expertise em filmá-las. Neste filme, sequências inteiras perdem em força dramática, seja por uma escolha desinteressante de plano (como é o caso do confronto entre os personagens principais no meio da cidade, filmada em planos e contraplanos monótonos) ou mesmo escolhas um tanto tolas, como a maneira pouco imaginativa ou dinâmica com que Aster filma os telefones celulares (o momento em que um outro policial filma o discurso do xerife, prestes a entrar na disputa eleitoral da cidade, parece até amador). Os planos holandeses mais próximos ao fim são um exemplo de escolha que exerce função narrativa quase nula para o filme. Aster trabalha no modo básico ou aleatório quando o assunto é a própria encenação e às vezes dá sorte de funcionar, às vezes acaba por comprometer outros elementos do próprio filme, inclusive o ritmo.

O clímax, por exemplo, funciona bem; me agrada esse momento em que nos aproximamos de escolhas talvez mais interessantes de linguagem, mais próximo de uma gamificação diante da perspectiva da primeira pessoa. Porém nada é especial em si e quando traduzido imageticamente, tem menos dimensões que a própria premissa. Por fim, Eddington é uma obra que se destaca mais pelo clima pessimista inevitável, um sinal dos tempos, provocado pelo fato de viver em um mundo em que a verdade e as relações estão se tornando cada vez mais alucinadas, radicalizadas e fragmentadas. Não descarto a possibilidade de que o cineasta, se seguir na mesma toada, faça filmes ainda melhores ainda mais porque há, em Eddington, lampejos de um autor que está tateando caminhos mais maduros, mesmo que ainda não plenamente realizados.

Aster demonstra compreensão aguda do espírito do tempo, desse colapso de consensos e da confusão generalizada entre percepção, opinião e realidade, e isso, por si só, já o coloca em uma posição relevante dentro do cinema contemporâneo. Se ele conseguir alinhar essa potência temática a um domínio mais consistente da linguagem cinematográfica, poderá entregar obras que alcancem a densidade que suas ideias prometem, mas que sua execução nem sempre acompanha. Eddington é, assim, menos um ponto final e mais uma vírgula no percurso de um diretor que talvez esteja, enfim, se aproximando dos filmes que quer fazer — e que nós, espectadores, ainda esperamos ver.

Nota: 3 /5

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