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Crítica: Sonhar com Leões

Sonhar com Leões
Direção: Paolo Marinou-Blanco
Roteiro: Paolo Marinou-Blanco
Nacionalidade e Lançamento: Portugal, Espanha, Brasil, 2025
Elenco: Denise Fraga, João Nunes Monteiro, Joana Ribeiro, Victoria Guerra, Sandra Faleiro, Roberto Bomtempo, António Durães, Alexander Tuji Nam, Dinarte de Freitas, Felipe Rocha.
Sinopse: Uma imigrante brasileira em Portugal enxerga o fim da linha graças a um diagnóstico de câncer que lhe dá apenas mais um ano de vida. Conformada com a doença, Gilda sonha agora em morrer com dignidade e sem dor, enquanto ainda é si mesma. Após quatro tentativas de suicídio fracassadas, porém, a mulher vai em busca de uma organização clandestina que diz ensinar aos seus clientes terminais a se suicidarem sem dor ou problemas em países onde a eutanásia é ilegal.

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A morte faz parte da vida. Ainda que esta seja a mais pura verdade, o assunto ainda é um espaço difícil para o diálogo. A sociedade evita falar sobre a partida inevitável e tende a reprimir conversas desconfortáveis sobre todos os temas correlacionados, de eutanásia a cuidados paliativos. Ciente desse tabu, o diretor Paolo Marinou-Blanco se arriscou duplamente ao falar sobre o tema por meio de uma comédia ácida e surrealista.

Em Sonhar com Leões, Denise Fraga interpreta Gilda, uma mulher com câncer na medula em estado terminal. Com diagnóstico de apenas mais um ano e meio de vida, ela quer morrer antes que a doença. Por falta da eutanásia como alternativa segura e digna, a personagem atenta contra a própria vida de várias maneiras para encerrar prematuramente um sofrimento que, cedo ou tarde, ela sabe que virá, antes de finalmente conhecer a multinacional Joy Transitions.

No capitalismo,tem multinacional até para morrer”. Isso é o que fala a personagem em uma das quebras de quarta parede que acontecem durante o longa. Depois de mais de cinco tentativas frustradas, Gilda aceita pagar 400 euros para que uma empresa a ensine a morrer sem dor. Chegando lá, ela conhece Amadeu, um jovem que perdeu os pais ainda criança em um acidente tragicômico: eles caíram de uma falésia enquanto tiravam uma selfie. A narradora-protagonista ainda diz: “foi uma das mortes por selfie mais famosas daquele ano”.

Desde o ocorrido, Amadeu desenvolveu uma obsessão pela morte tamanha que se tornou agente funerário e jura conseguir conversar com os mortos que maquia. Por questões que vão além da afinidade com a ideia de morte, os laços entre Gilda e Amadeu logo se estreitam e um romance surge em paralelo à busca pela morte assistida de ambos, que os leva até Maiorca, na Espanha. Não sei até que ponto o personagem de Amadeu acrescenta à Gilda. O romance é pouco crível e a cor a mais que ele traz quanto ao tema central pode até ser boa, mas não é aprofundada tampouco aproveitada o suficiente (vou me limitar a esse comentário para evitar spoilers).

Imageticamente, também, Sonhar com Leões é um filme pouco interessante. Mesmo as cenas mais explícitas – duramente criticadas desde a estreia do filme em Gramado, por sinal — não apresentam nada muito interessante a dizer na maneira como são construídas. Tudo que vemos é o que é, com pouco espaço para inventividade: um plano e um contraplano, um plano geral e um plano médio — “by the book”. Por outro lado, o texto é bastante rico e a atuação de Denise Fraga o tira de letra, com muito carisma e uma atuação corporal mais teatral de preencher a tela, mesmo quando tudo ao seu redor carece de imaginação.

Talvez manter um tom mais sóbrio nos visuais tenha a ver com a contenção que o filme necessita — ir longe na piada e logo depois voltar bruscamente na dor — e pode ser um tipo de compensação do risco. Afinal, para falar sobre morte e, especialmente, sobre suicídio, a arte, por mais livre que possa ser, ainda enfrenta os mesmos dilemas éticos e morais de sempre. O que tratar? Como tratar? Até onde posso provocar?

O tema tabu e a escolha por abordá-lo sob as lentes da comédia não são o maior problema aqui; ao contrário, acredito ser de uma coragem extraordinária com um público que se distancia cada vez mais do desconforto provocado pelo pensamento crítico. Por esse lado, Paolo e Denise levantam a bola de uma discussão importantíssima no Brasil e no mundo: a morte com dignidade. O que eu penso, todavia, é que poderia ser ainda melhor se mergulhasse de cabeça, corpo e alma nesse desafio, também com uma linguagem mais complexa, ao menos tão complexa quanto o tema que aborda.

Nota: 3 /5

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