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Crítica: Câncer com Ascendente em Virgem

Câncer com Ascendente em Virgem
Direção: Rosane Svartman 
Roteiro: Martha Mendonça, Suzana Pires, Pedro Reinato
Nacionalidade e Lançamento: Brasil, 2024
Elenco: Suzana Pires, Marieta Severo, Nathália Costa, Julia Konrad, Ângelo Paes Leme, Fabiana Karla, Carla Cristina Cardoso.
Sinopse: Clara é uma professora de matemática que mantêm um canal de sucesso na internet como influenciadora educacional. Clara é uma mulher divertida, sarcástica e pragmática que gosta sempre de ter tudo sob o mais absoluto controle. Porém, ao receber o diagnóstico de câncer de mama, ela deverá aceitar que a vida nem sempre sai conforme planejado. Durante sua jornada de cura e autodescoberta, ela enfrentará dias bons e ruins enquanto passa pelos estágios do tratamento ao lado de sua filha adolescente Alice, sua mãe Leda e as amigas Paula e Dircinha.

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É um desafio tratar de um assunto sensível e relativamente complexo, como é o câncer, com leveza, simpatia e disposição. Na maioria das histórias com essa temática, o melodrama calcado em dor e sofrimento tende a prevalecer. Contudo, não é por essa abordagem que Rosane Svartman traça seu caminho ao filmar com algum gracejo Câncer com Ascendente em Virgem, que teve breve passagem e tímida arrecadação nos cinemas e agora está disponível no Globoplay. Inspirado no livro Estou Com Câncer, E Daí?, de Clélia Bessa, que também é produtora do filme, a pergunta que norteia o novo longa de Svartman — e também o livro —, é se é possível falar de um assunto sério e dolorido com humor e sem se apegar apenas ao adoecimento. 

Clara (Suzana Pires), é professora de matemática em escolas regulares e atua nas redes sociais como divulgadora educacional. Controladora, engraçada e sarcástica, especialmente na criação da filha adolescente Alice (Nathália Costa), elas mantêm uma relação com embates típicos para esse contexto, mas com muito amor. A mãe de Clara, a excêntrica e holística Leda (Marieta Severo), é o oposto. Livre, espontânea e pouco preocupada com as coisas do mundo, gera contrastes na relação. A harmônia controlada de Clara começa a ruir quando descobre que está com câncer de mama e percebe que talvez seja necessário uma nova perspectiva sobre a vida. 

Em linhas gerais é uma história simples que segue o fluxo sem maiores desgastes. Clara tinha tudo sob controle e era vista pelos outros e por si mesma como uma mulher independente e que se virava sozinha para dar conta da vida, porém, à medida que as complicações somáticas aparecem, percebe a necessidade de ajuda e acolhimento. Há espaço para a famosa e discutida vulnerabilidade na vida das mulheres, que nem sempre é colocada em evidência, pois estão presas e são presas à ideia de serem guerreiras, fortes e outras adjetivações imprecisas. A pressão estética vira alvo através dos filtros das redes, e uma leve piadinha envolvendo o ex-marido (Ângelo Paes Leme), num papel canastrão delícia, quando ele opta por fazer alguns procedimentos estéticos. 

Há viradas de jogo, troca de papéis e pitadas “originais” sobre temas femininos no roteiro de Suzana Pires, Pedro Reinato, Martha Mendonça e Rosane Svartman que, além do humor, passa por vários pontos do tratamento, incluindo o tradicional corte de cabelo e outros efeitos colaterais da quimioterapia. Além da família, duas outras personagens fazem parte do ecossistema com compartilhamento de depoimentos e amizade: a geniosa e divertida Dircinha (Fabiana Karla), que acompanhamos a progressão de seu adoecimento, equilibrando drama e feição com delicadeza, e Paula (Carla Cristina Cardoso), outra amiga que faz suporte afetivo num tom mais sóbrio e cheio de energia.

Por ser a protagonista, Suzana Pires entrega uma performance harmoniosa, serena e, quando preciso, explosiva pela raiva, angústia e cansaço de enfrentar uma doença que exige tanto do paciente, mas sem perder a alegria nem o tesão. Rosane Svartman encontra comicidade nas linhas sobre os desejos eróticos no meio do desânimo, quebrando mais um mito a respeito do adoecimento por câncer. A dramédia é intensificada com a chegada de Leda, mãe de Clara, que é adepta de todos os rituais possíveis: incensos com cheiros e intenções diversas, quase todo catálogo de Santas católicas, passando por Budas distintos e Iemanjá. Marieta Severo entrega uma performance humana e excêntrica que, embora simples, trafega entre uma mãe avoada e autocentrada, ao mesmo tempo cuidadosa, divertida e verossímil.

O mérito de um roteiro de quatro pessoas, talvez seja a narrativa coesa, enxuta e livre de gorduras. Por outro lado, cria-se um filme formulaico, corretinho demais, sem reviravoltas. A diretora cria momentos inspirados através da linguagem, mantendo o padrão Globo Filmes, mas deixando sua assinatura, ainda que episodicamente. A cena dentro do mar, na “despedida” do seio de Clara — ela passa por uma mastectomia —-, consegue ser divertida e também emocionante. Quando junto da mãe dentro de casa, conta sobre o câncer via mensagem de celular; e na escola junto aos alunos e a filha num abraço coletivo. São nesses momentos singelos na captura das imagens, que a sensibilidade da direção aparece. 

Rosane Svartman não tem grandes trabalhos de destaque como diretora. Anteriormente trabalhou com filmes infanto-juvenis, seu núcleo de conforto, e nas temporadas 20 e 22 de Malhação (1995-2020) como roteirista. Seu maior acerto está na escrita, especialmente de novelas, seja como parceira ou carreira solo, vibrando glórias tanto de audiência quanto de crítica. Recentemente, a novela das sete Vai na Fé (2023), rendeu audiências maiores do que o horário das 21h, o prime time da TV aberta. Atualmente, Svartman está com Dona de Mim (2025), outra novela das sete que por vários dias ultrapassou em audiência a famosa e desequilibrada Vale Tudo (2025).

Câncer com Ascendente em Virgem leva a dramédia a lugares interessantes e reúne um elenco carismático, talentoso e esperto. Suzana Pires está brilhando; Marieta Severo, ao lado de Fernanda Montenegro, é uma das melhores atrizes brasileiras. Atrapalha a engrenagem o roteiro muito amarrado, que não se arrisca em quase nada e quase tudo é previsível. A direção encontra brechas para brincar, emocionar e fazer um coletivismo afetivo a respeito do tratamento do câncer de mama, quando parece colocar depoimentos reais frente a acontecimentos fictícios. Mesmo com os aspectos televisivos, o timing para o humor no meio de uma história que flerta com a morte, acaba nos pegando de surpresa ao provocar choros e risos, às vezes simultaneamente. Simpático, humano e bem humorado, Rosane Svartman provou que é possível fazer um leve — que é o mais surpreendente — até quando um assunto doloroso é a pauta principal.

Nota: 3 /5

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