Crítica: Amores Materialistas
Amores Materialistas
Direção: Celine Song
Roteiro: Celine Song
Nacionalidade e Lançamento: Estados Unidos, 2025
Elenco: Dakota Johnson, Chris Evans, Pedro Pascal, Zoe Winters, Marin Ireland, Dasha Nekrasova.
Sinopse: Em Amores Materialistas, a casamenteira Lucy se envolve em um triângulo amoroso complicado. Apesar de ainda nutrir sentimentos por John, garçom aspirante a ator, a jovem começa a se relacionar com um homem rico chamado Harry, irmão do noivo de um casal que ela juntou com sucesso.
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Depois de excelente resultado e prestígio em seu primeiro longa, Vidas Passadas (2023), Celine Song, diretora e roteirista, retorna com um elenco estelar e repetindo a dose na comédia romântica. Amores Materialistas, que estreia nos cinemas brasileiros em 31 de julho, conta a história da matchmaker (casamenteira) Lucy, interpretada por Dakota Johnson, que trabalha em uma agência de encontros. É como se fosse um Tinder da vida real, mas que não junta pobres com pobres, e sim, pessoas de alguma renda com seus idênticos. É um serviço exclusivo e caro, pois é personalizado e o único objetivo é o casamento.
Lucy é uma trabalhadora e não faz parte do nível de clientes que ela atende. Entretanto, em um casamento de sua cliente satisfeita — encontrou um marido — ela conhece Harry, interpretado por Pedro Pascal. Um dos garçons da grande festa é seu ex-namorado John, papel de Chris Evans, que, pelo tom, fica óbvio que ainda sentem algo um pelo outro. Cria-se a partir disso o clássico triângulo amoroso. Harry é extremamente rico, bem sucedido, bonito, educado, elegante e não-babaca. John é um ator de teatro que ainda não decolou, perto dos quarenta anos, divide apartamento com amigos e trabalha de garçom free lancer em uma empresa de buffet. Obviamente ele é bonito, pois é o Chris Evans, mas esse detalhe não é dito por Lucy.
Lucy fica entre os dois. Bonita e elegante, mas que por suas preocupações cotidianas, a classe social fica evidente. Seu desejo, tal qual as suas clientes, é encontrar um homem bonito, rico e que preencha todas as caixinhas com características ideais, ou seja, Harry, uma espécie de príncipe encantado. Porém, como já é de se imaginar, o amor de sua vida é John, o pobretão azarado. É a partir disso que o termo materialista é colocado em prática. O amor como emoção e sentimento, acaba sendo secundário. O objetivo é se casar com alguém em que as características físicas e financeiras sejam mais relevantes do que o sentimento. O amor, conceito visto como ultrapassado por Lucy e pela agência que trabalha, é posto de lado, quase como um acessório.
Celine Song aponta para diferentes direções: classe social, estética visual (beleza, altura, idade, etc), a existência do amor ou apenas uma transação comercial, etc. Esses elementos, de bom debate na atualidade, são vistos por ela com algum cuidado, mas sem cinismo, embora sua protagonista, Lucy, olhe para o amor com algum. O envelhecimento feminino — estar com quarenta anos é estar velha? — vira pauta, como se perto dos quarenta só restasse a solidão. Todos esses assuntos, mais ou menos discutidos, ficam como pano de fundo quando Lucy se envolve, com alguma intimidade com Harry. Até descobrirmos junto a ela que Harry, para ser um unicórnio — nome dado a uma pessoa extremamente bem sucedida com todas as características estéticas desejáveis e esperadas — precisou de intervenções cirúrgicas para a ideia de homem desejável se transformar em realidade.

No meio disso Lucy enfrenta uma crise profissional, pois recomendou a uma cliente, Sophie L. (Zoë Winters), um sujeito abusivo. Essa subtrama captura a atenção, exatamente quando o filme parecia não ter muita certeza do caminho a seguir e pendia ao marasmo. É superficial, mas dá coisas para Dakota Johnson trabalhar. Ela percebe que estereótipos físicos e conta bancária não sustentam um relacionamento, e como é esperado em comédias românticas, esse fato serve de autoanálise à protagonista para perceber que o amor, esse sentimento de difícil definição, talvez seja ingrediente fundamental para a existência de um relacionamento. Fica óbvio, antes da metade do filme Amores Materialistas, que o destino de Lucy é ficar com John. Isso não é spoiler necessariamente, pois diferente de Vidas Passadas, a diretora segue as tradicionais batidas do gênero.
Com carreira pregressa no teatro, as clássicas marcações de cena encontram espaço na lente da diretora que, por sinal, estão sempre bem posicionadas. Toda a elegância de Celine Song está presente. Ela filma bem, acolhe seus personagens com clareza e sem julgamento. A diretora parece ter uma percepção limitada de como os interesses baseados puramente na estética jogam contra o amor como sentimento. Não há por parte do roteiro nenhuma vontade de explorar mais sobre os desejos femininos, a não ser pela lógica do casamento. Talvez pela história fabulesca e pelo cenário desidratado, tem algo de semelhança com as ideias unidimensionais do cinema noir. Em vários momentos, a forma como Song filma Nova Iorque e como suas personagens vivem a metrópole, lembra o filme Cidade Nua (1948), um clássico noir com Barry Fitzgerald e Dorothy Hart.
Por ser unidimensional, o debate a respeito das características estéticas ficam sob a superfície. Song parece mais interessada em discutir o básico do amor, dispensando o desejo sexual do triângulo amoroso, para focar no tradicional. Econômico ou não, perde-se a profundidade das personagens nessa abordagem. Para encarnar essa proposta, a escalação de Dakota Johnson é certeira. Johnson não é uma atriz versátil, porém, ela faz o personagem-tipo muito bem. Lucy é uma mulher desacreditada do amor, performática frente à materialidade capitalista da metrópole e cínica frente ao desbanque afetivo. É um quase desinteresse pela vida com um pequeno vazio à mostra.
Pedro Pascal, o onipresente, não tem muito com o que trabalhar, mas cumpre seu papel como um homem desejável. Chris Evans fica meio desperdiçado, embora faça bem o papel do pobretão azarado (e gostoso). Ambos fazem o garanhão, só que em lados opostos. Um rico e gentil, um pobre e bonito com questões cotidianas de classe, e nenhum deles com tudo. Na melhor das hipóteses, ninguém tem tudo (ainda bem). Belíssimos e charmosos, o desejo bissexual felizmente se descontrola. Celine Song, porém, não elabora as possibilidades de desconcerto propositivo que esse cenário teria. Fica pelo caminho oportunidades mais inventivas e até divertidas frente à triangulação edipiana. Para afunilar o discurso, a diretora escolhe o convencional colocando todo mundo em seu devido lugar, com seus pares amorosos — e de classe — para não entrar num drama arrastado. Em resumo, o amor romântico monogâmico heteronormativo venceu (de novo).

Amores Materialistas deliberadamente escolhe não se aprofundar em dramas mais elaborados de classe, estética da magreza, altura e padrões corporais. O amor que, apesar de tudo, sobrevive até nas dificuldades; na saúde e na doença, na riqueza e na pobreza. Casamento arranjado é mesmo coisa do passado, e talvez só tenha serventia para quem despreza os riscos do amor para acumular patrimônio, objeto concreto mais seguro que qualquer sentimento. Essas conclusões ficam a gosto do espectador ao ser direcionado com a última cena enquanto os créditos sobem. A câmera estática num cartório com vários casamentos populares sendo feitos ao mesmo tempo, sem pompa ou cerimônia.
Celine Song acerta, mais uma vez, ao escalar um elenco altamente desejante, pela beleza, magnetismo e outras desejos implícitos, e ao colocá-los frente às intempéries da rejeição, da negação do sonho do casamento feliz, da solidão categórica traduzida num cigarro longo — elegantemente tragado por Dakota Johnson — e do vazio existencial da metrópole. O amor romântico defendido por unhas e dentes pela diretora não deixa de ser um misto de ingenuidade com esperança, mesmo abandonando sem necessidade debates sobre a materialidade capitalista do amor. O romantismo, apesar do cinismo que o cerca, ainda tem sua graça, seu charme. Acreditar nele ainda não é revolucionário como a diretora quer nos fazer acreditar, mas é verdade que todo mundo — ou quase todo mundo — ainda deseja um romance para chamar de seu. Se essa história fosse um conto de fadas, a ideia de abandonar o príncipe encantado faz parte da autodescoberta.
Nota: 3 /5