Crítica: Pecadores
Pecadores – Ficha Técnica
Direção: Ryan Coogler
Roteiro: Ryan Coogler
Nacionalidade e Lançamento: Estados Unidos, 2025.
Elenco: Michael B. Jordan, Miles Caton, Saul Williams, Andrene Ward-Hammond, Jack O’Connell, Tenaj L. Jackson, David Maldonado, Aadyn Encalarde, Helena Hu, Yao, Delroy Lindo.
Sinopse: Em Pecadores, dois irmãos gêmeos voltam à sua cidade natal com o objetivo de reconstruir a vida e apagar um passado conturbado. Esses acontecimentos, porém, voltam a atormentá-los quando uma força maligna passa a persegui-los, trazendo para a superfície medos e traumas.
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No livro “Horror Noire: A Representação Negra no Cinema de Terror”, a autora Robin R. Means Coleman divide a participação dos negros dentro de filmes do gênero através de fases. As primeiras, até 1940, quando esses eram figuras retratadas com a expectativa do imaginário branco para pessoas negras, ou seja, bandidos, pobres ou figuras aterrorizantes.
Com o passar dos anos isso vai se alterando à medida que os próprios negros passam a ser figuras ativas de suas vozes dentro do horror. A segregação racial se transforma em um tema recorrente e parte também do imaginário do que o gênero vai discutir, assim como possibilidades de interpretações – a mais marcante em “A Noite dos Mortos Vivos”, de 1968, dirigido por George Romero, lido por muitos como uma alegoria ao racismo.
Ao pensar no cinema de horror americano contemporâneo, é inevitável observar como a temática racial se tornou parte da discussão e dos debates. Explicações não faltam, desde, novamente, a maior participação de cineastas e realizadores negros, ao mesmo tempo que a política efervescente sobre o assunto (vide o Black Lives Matter há alguns anos). Temas sociais, de uma forma mais abrangente, são figuras carimbadas nos longas, que se abraçam cada vez mais em uma vertente do terror psicológico, fugindo, na maior parte dos casos, de um uso mais frontal do medo.
Sem uma análise de valor para isso, é preciso conceber como o terror não precisa conter apenas alegorias ou algo que está além. Ele também pode ser o horror encarnado e uma demonstração às claras de algo que se tenta esconder.
Em seu mais novo filme, Ryan Coogler (mais uma vez em parceria com Michael B. Jordan) olha justamente para essa questão. “Pecadores” é, acima de qualquer coisa, um filme de gênero, sem medo de esconder isso. E, acima de tudo, usa da sua própria forma múltipla e das suas temáticas para centralizar em como o medo é um sentimento de solidificação de diversas coisas.

Aqui, o uso é na figura de vampiro que – para fins de evitar mais spoiler – é algo que se constrói na segunda parte do filme. Na primeira, vemos um drama social mais “clássico”, por assim dizer. Nele, dois irmãos gêmeos (ambos interpretados por Jordan) retornam para sua pequena cidade natal de maioria negra com trabalhos subvalorizados. Por lá, contam com a ajuda do primo, Sammie (Miles Caton), um jovem filho de um pastor de uma igreja local, para criar um clube de blues em que os negros locais possam se divertir.
Como dito antes, tudo parece mais simples e essa hora inicial até mesmo abraça esse aspecto. Apesar de Coogler brincar com alguns elementos de tensão, que serão importantes futuramente (em especial a cena de abertura), o centro da história está em como esses personagens, que não possuem praticamente nada, podem sobreviver e conseguir se divertir nesse espaço. Os dois irmãos – com o dinheiro sujo, já que trabalharam para a máfia – querem ser agentes de transformação para uma nova realidade.
O diretor, então, vai passando do macro cada vez mais para o micro nas diversas relações construídas para aumentar a tensão. Desde ex-mulheres que tiveram términos conturbados e expõem uma tensão racial – caso de Mary (Hailee Steinfeld) e Annie (Wunmi Mosaku) – até mesmo uma compreensão histórica de, mesmo revolucionários para diversos gêneros musicais, os negros sempre acabam sendo renegados nesses gêneros – situação de Delta (Delroy Lindo).
Esses aspectos elucidam em como o horror vai ser explorado na segunda parte. Ele possui um objetivo bem evidente de deixar às claras todas as rachaduras sociais abertas com pequenas fissuras anteriormente. E isso se concentra bem na ideia do vampiro “líder” (feito por Jack O’Connell). Ele não é racista e até mesmo compreende a dor dos negros por ser um imigrante. Ao mesmo tempo, é alguém que quer aglutinar essa cultura como parte dele, mas sem espaço para esse povo conseguir sobreviver. Precisa explicar mais do que isso?
A assimilação cultural é onipresente nas pequenas correlações dramáticas de “Pecadores” nesse momento. Desde a perda do que os transforma enquanto grupo (algo fortemente representado por uma cena em que Sammie toca violão e vemos as participações dos negros ao longo da história) até na forma como o enclausuramento é parte central desse dilema.
Isso porque, nesse trecho da narrativa, os personagens estão presos, buscando evitar a entrada dos vampiros. Nesse quesito, retomamos a ideia falada no início desse texto, de uma visão para “A Noite dos Mortos Vivos” e a “Assalto à 13.ª DP”, de 1976, de John Carpenter. Em ambos, há um cosmo bem evidente de como o racismo constrói essas sociedades sempre terminando com a morte das pessoas negras. Ao mesmo tempo, os dois longas também reforçam um olhar para a entrada da violência em um mundo que vive em paz e precisa lidar com a força e contra a força.
Em “Pecadores”, essas questões são retomadas e esses personagens, para sobreviverem, não podem ser eles mesmos, e sim um olhar sobre o outro. Precisam compreender quem são esses vampiros para justamente encontrar a melhor forma de serem quem são. Através de uma visão quase filosófica, Coogler adentra em um ambiente desprotegido de seus personagens, que são julgados e apontados, porém buscam apenas uma única coisa: a liberdade.
Uma frase durante uma cena no meio dos créditos reforça ainda mais isso, em que uma figura, agora mais velha, olha para aquela noite com uma visão bem mais complexa do que parece. Segundo ele conta, em diversos momentos acorda relembrando do dia e do medo que sentiu, porém há uma paz logo em seguida, visto que foi a melhor noite da vida.
Nota: 5 /5