Crítica: Branca de Neve (2025)
Branca de Neve – Ficha técnica:
Direção: Marc Webb
Roteiro: Erin Cressida Wilson
Nacionalidade e Lançamento: Estados Unidos, 2025.
Elenco: Rachel Zegler, Emilia Faucher, Gal Gadot, Andrew Burnap, Andrew Barth Feldman, Tituss Burgess, Martin Klebba, Jason Kravits, George Salazar, Jeremy Swift, Andy Grotelueschen, Ansu Kabia.
Sinopse: Recriação do clássico animado de Walt Disney de 1937, o musical conta a história de uma bela jovem princesa que, enquanto é perseguida por uma rainha ciumenta, busca refúgio em uma cabana em uma floresta.
.
Existem duas hipóteses que não consigo parar de pensar quando é anunciado mais um remake live-action dos clássicos Disney: 1) existe no mínimo uma dúzia de pessoas muito burras por trás de toda estratégia e desenvolvimento criativo de um dos maiores estúdios da história do cinema; 2) estúdios de hollywood se transformaram em um conglomerado de lavagem de dinheiro, por isso, tanto faz criarem qualquer tipo de filme, com descuido e desprezo, pois, no fim do dia, a bilheteria é uma fachada para esconder um modelo de negócios espúrio. Obviamente, a segunda opção é claramente uma teoria da conspiração e serviu apenas de exemplo hiperbólico para tentar justificar as terríveis decisões criativas que tendem a ser cada vez mais estúpidas vindo da Disney.
Branca de Neve é um remake live-action da animação musical Branca de Neve e os Sete Anões (1937), um clássico do gênero. Na versão de 2025, os anões foram removidos do título, mas eles continuam na história praticamente do mesmo jeito. Branca de Neve (Rachel Zegler) é uma princesa que fica nas mãos da madrasta, Rainha Má (Gal Gadot), após o falecimento do pai. Quando Branca de Neve se abre ao mundo, começa a fazer inveja na Rainha, despertando a fúria daquela que seria a mais bela de todo o reino. A Rainha Má ordena a morte de Branca de Neve, que é poupada pelo caçador, se refugiando com sete anões na floresta mágica. Em seguida conhece um ladrão charmoso, Jonathan (Andrew Burnap), que atua como resistência frente à opressão do governo da Rainha Má.
A princesa indefesa, pobre-coitada e cuidadora do lar de anões da versão animada, dá lugar a uma princesa que é combativa, gentil e caridosa, ganhando alguma personalidade. A beleza física dá lugar a beleza interior, baseada em valores humanistas. A Rainha Má continua invejosa, perguntando a velha frase a seu amigo espelho sobre sua beleza física. O príncipe encantado foi trocado por um guerrilheiro da resistência camponesa do reino, que se apaixona por Branca de Neve no decorrer do filme, eliminando o tom pouco consensual do beijo de um desconhecido numa mulher desacordada graças a uma maçã envenenada. O “felizes para sempre” dá lugar a um golpe popular para colocar Branca de Neve — a herdeira benevolente da monarquia —, destituindo a Rainha Má — a absolutista tirana.
Particularmente acho essas mudanças positivas, apesar das polêmicas. Branca de Neve e os Sete Anões talvez seja a história mais sem graça de todo o panteão de animações dos anos 1930/40. Colocar um pouco de substância nessa refilmagem é um acerto — calcado em avanços relativamente progressistas, pelo menos aos moldes estadunidenses. Outra mudança polêmica é a escalação da atriz Rachel Zegler, uma mulher não-branca, descendente de colombianos. Esse tipo de polêmica só incomoda quem é apegado a história original e esperneia como um bebê chorão defecando a frase mais irritante de todo o universo: “acabaram com minha memória infantil”. Essa argumentação me faz pensar na incapacidade de algumas pessoas crescerem e virarem adultos funcionais.
Rachel Zegler em sua encarnação para Branca de Neve é a melhor coisa do filme, além das atualizações no texto. Sua voz é magnífica, como já tinha ficado claro na belíssima atuação do remake de Amor Sublime Amor (2021), dirigido por Steven Spielberg. O que não contribui em nada para a atuação de Zegler são as músicas, que foram aparentemente pensadas numa tarde ensolarada de fritar os miolos, pois nada que preste saiu das canções. São chatas, repetitivas, sem vigor e nada memoráveis, algo que a Disney sempre tirou de letra. O roteiro de Erin Cressida Wilson — o sem sal A Garota no Trem (2016) é uma das pouquíssimas experiências dela —, apesar das modernizações, não acrescenta nenhum diálogo interessante e cativante. Em resumo, o filme joga contra o talento de Zegler que, com esforço, consegue imprimir alguma humanidade e admiração pela personagem. Um roteiro com boas premissas, mas mal escrito, e a direção deprimente de Marc Webb, criou um filme que fica quase inassistível com o passar do tempo.
Marc Webb nunca foi um grande diretor. Seu currículo tem (500) Dias com Ela (2009) e os dois filmes da franquia Espetacular Homem Aranha que, convenhamos, não tem nada que chame a atenção. Mas Webb é um qualificado diretor de séries de TV com bom desempenho. Em Branca de Neve seu trabalho é meramente funcional, burocrático e cinematograficamente pobre. Talvez o destaque minúsculo seja a forma como escolheu capturar os movimentos dos anões, dessa vez feitos digitalmente, que às vezes é bom e às vezes oscila entre a estranheza e a depressão — rendendo outra polêmica. A forma como dirige os números musicais também não melhora, escancarando a falta de inspiração e criatividade dos envolvidos.
Nem tudo é ruim em Branca de Neve, tem coisas péssimas, como a presença da Gal Gadot — outra polêmica. Desprovida de talento desde a primeira vez que apareceu nas telas do cinema, chega a ser impensável como ela conseguiu tanto destaque em Hollywood. Para não ser desonesto, sua atuação em Mulher Maravilha (2017) não é tenebrosa como em Branca de Neve, porém, a diferença é que Patty Jenkins é uma diretora mais inteligente que Webb. Gadot, para fazer algo que preste, precisa de um diretor que não desista dela e que a faça chegar um pouco além da sua desqualificada atuação. Como desgraça pouca é bobagem, ela ainda canta, e falha miseravelmente. A atuação de Gadot é tão horripilante de ruim, que ela não consegue fazer carão, nem ditar o texto direito. Nem sua beleza, algo inegável, consegue disfarçar a indiferença que ela transmite.
Se fossemos citar todas as polêmicas envolvendo Branca de Neve, esse texto não teria fim. Já na terceira semana e correndo o risco de mínima janela de exibição, mesmo tendo ocupado quase metade do parque exibidor, o remake da princesa pálida é um desastre de bilheteria e crítica. A Disney culpa Rachel Zegler em função de um tweet da atriz pedindo o fim do genocídio na Palestina. Ao mesmo tempo, Gal Gadot, atriz israelense, não deixa de afirmar seu apoio irrestrito a Israel e sua política de morte, que supostamente pode ter ajudado no desastre de audiência. Independente desses fatos e declarações, mesmo que elas não tivessem existido, dificilmente o filme se salvaria. O problema da Disney está na forma estruturante que tem lidado com o negócio. Colocar Zegler — o único ponto interessante dessa pataquada — como a origem do fracasso, é tentar encontrar um bode expiatório para não lidar com a incompetência da gestão.
Branca de Neve é apenas um filme ruim, com momentos muito ruins. O desempenho de Zegler como a princesa que marcou várias gerações, é ofuscado pelas terríveis decisões criativas e artísticas de escalões burocráticos de um estúdio que parece perdido em todas as linhas de frente. O roteiro que apresenta uma heroína à esquerda do conservadorismo do “felizes para sempre”, perde impacto quando tenta montar um quebra-cabeças entre o moderno e o clássico, mas sem saber aonde quer chegar, deixando os bons atributos pelo tortuoso caminho. Como se as opiniões de Gal Gadot fora de cena já não fossem deprimentes o bastante, sua atuação dá vergonha alheia e serve de justificativa para quem desistir no meio do caminho. No final, nem Marc Webb, nem Disney sabiam direito o que fazer com um filme tão desastroso que, aparentemente, não vai agradar as crianças — um público pouquíssimo exigente — e muito menos os pais, que ainda serão obrigados a assistir a atualização inócua de um clássico.
Nota: 2 /5