E aí, afinal, o Oscar importa?
Com a participação do Brasil entre os protagonistas no Oscar, que acabou resultando na primeira vitória de melhor filme internacional para o nosso país – e indicações em categorias de Melhor Atriz e Melhor Filme – um debate que apareceu de modo constante nas redes sociais e nas discussões é o de: “o Oscar importa?”. Pessoas se dividiram entre os que tem uma imagem mais idealizada ingênua e uma bitolação desesperada do Oscar como se indicações e vitórias no Oscar fossem uma obrigação para os filmes que amamos, para os filmes dos nossos países, algo que vai nos validar e como se não existisse mundo além disso; e outros que têm um viés mais amargurado e excessivamente cínico aderiram a obviedades de negar tudo, demonstrar um desprezo a tudo isso, condenar a empolgação dos outros com o Oscar e demonstrar que está fugindo disso e indo contra para demonstrar uma “diferenciação”, que acaba sendo só pedante. Pessoalmente, acho os dois tipos de atitudes igualmente bobos. Acho totalmente de boa não ligar para o Oscar ou acompanhar esse momento de temporada de premiações, mas é a maneira como as pessoas fazem isso que muitas vezes pode acabar caindo nisso.
Pessoalmente eu gosto de acompanhar as temporadas de premiação: acho divertido, acho que rende discussões interessantes, gosto de comentar os filmes que estão participando delas, pensar racionalmente nas narrativas e cenários construídos nas temporadas de premiação, gosto demais do sentimento coletivo de um grande número de pessoas – inclusive as que estão fora da bolha do cinema – comentando e vivenciando o cinema em larga escala, e acho que ela faz parte de momentos históricos que são importantes de serem observados, assim como voltar aos filmes que já foram indicados ou ganham o Oscar durante os anos. Dito isso, acho que essas coisas devem ser feitas de maneira sempre crítica ao funcionamento dessas premiações e sem se resumir a elas, estando aberto para o que está à margem delas ou é ignorado por elas. Uma pessoa que trabalha com cinema ou que gosta de cinema e que se limita a só o burburinho dos filmes que estão cotados pra Oscar acaba tendo uma relação com cinema tão limitada e superficial quanto as pessoas que só assistem os blockbusters do momento. O grande lance é não tratar o Oscar como algo “especial”, “objetivo” ou algo que tem “um valor maior sob as outras coisas”, sem resumir ou focar as discussões e o valor dos filmes em chances ou não deles no Oscar (que é o erro das maioria das pessoas que comentam premiações, além delas terem por vezes uma percepção rasa ao discutirem os filmes artisticamente), mas também não tratar o Oscar como algo totalmente “sem peso” e algo que “você não acompanha porque é bom demais pra isso”. Acho que o jeito mais saudável de lidar com tudo isso é entender o espaço que o Oscar ocupa e o funcionamento dele, pra conseguir extrair o melhor da cobertura da percepção desse evento.
Oscar é basicamente uma eleição em que você tem diversas pessoas diferentes, de personalidades diferentes, de idades diferentes, de países diferentes (mesmo sendo uma premiação majoritariamente americana e que abre as suas asas para o resto do mundo), de culturas diferentes e de crenças diferentes votando para escolher os melhores filmes e profissionais do cinema do ano na opinião delas. Como todas as premiações, o Oscar está sujeito a campanhas e estratégias de narrativas de estúdios, distribuidoras, produtoras, etc, promovendo os seus filmes e os seus profissionais; a lobby; à influência do que já passou e já foi premiado em festivais europeus e americanos importantes; a ligações pessoais dos votantes; a questões externas aos filmes; a opiniões individuais dos votantes que você pode discordar ou concordar e até por tudo isso os estúdios gastam dinheiro com divulgação e campanha. Eventos acontecem, matérias e propagandas são feitas, atores vão em talk-shows e programas de televisão para falar dos seus filmes ou/e serem vistos, até aqueles que não têm costume de se expor – e isso não acontece pra fazer divulgação das obras e ajudar na bilheteria delas, mas sim pra fazer campanha dos seus filmes conquistando simpatia de quem vota nesses prêmios: a indústria do cinema de Hollywood e várias pessoas da comunidade estrangeira do cinema que são convidadas para votar ou já concorreram/ganharam. Então achar que a indicação ao Oscar ou uma vitória no Oscar acontece por “mérito artístico” ou tem a ver com “qualidade”, “justiça”, “merecimento”, etc, é algo ingênuo e ilusório. E isso vale para qualquer premiação.
Artistas que amamos ou odiamos, obras que odiamos ou amamos, e por aí vai, ganham o Oscar independente de concordarmos ou discordarmos da qualidade da obra, o que acaba sendo totalmente indiferente. Podemos tanto achar um filme que ganhou o Oscar uma “obra-prima” ou um “lixo”, mas não é a sua qualidade ou falta de qualidade – numa perspectiva pessoal seja ela majoritária ou não – que o fez ganhar um prêmio, independente do que achemos dele e sim o que fez foi a sua campanha, a narrativa da sua campanha, o método de votação ou/e ele ter sido abraçado, ser palatável e ter ressoado em grande parte dos votantes da indústria do cinema, da qual podemos concordar ou discordar. Não tem nada a ver com qualidade. E por conta desses fatores todos então o Oscar não tem importância? Pelo contrário. Claro que ele tem a sua importância. Um filme ou um profissional ganhar ou ser indicado ao Oscar ou uma premiação não valida a qualidade deles, assim como um filme perder ou nem chegar a ser indicado também não diz absolutamente nada sobre a qualidade dele, mas para a indústria cinematográfica, do ponto de vista mercadológico, o Oscar – e qualquer premiação, mas o Oscar é a principal delas – é algo importantíssimo.
Indicações e vitórias no Oscar ajudam na bilheterias de filmes, não é à toa o investimento alto em campanhas por parte dos estúdios, além de um selo de “respeitabilidade” – artificial ou não – que uma premiação dessas traz no imaginário popular. Depois do Oscar, a carreira de um filme em termos de bilheteria, de vendas online ou streaming é muito ajudada. Além disso o Oscar e qualquer prêmio – para o bem ou para mal – marca um filme como um capítulo permanente na história do cinema, nem que seja como uma nota do rodapé, e nem que ele esteja resumido apenas a isso, muitas vezes sendo essa a única chance de algum filme ou profissional ser lembrado. Profissionais que ganham e são indicados ao Oscar têm por algum tempo o salário mais valorizado ou um status alavancado nas suas carreiras, mesmo que para alguns não seja por muito tempo (e outros têm as suas imagens ou egos consolidados com esses prêmios), principalmente dependendo dos projetos que eles fizerem depois disso aproveitando essa vitrine. Os resultados do Oscar ditam por algum tempo a linha dos próximos filmes que serão produzidos, dos próximos profissionais que a indústria ficará de olho e por aí vai, o que demonstra que o Oscar tem sim uma importância. Só é uma importância específica. É excelente quando filmes e artistas que amamos são premiados.
E falando especificamente do Ainda Estou Aqui, um Oscar é bom comercialmente e mercadologicamente para a ocupação de salas para o cinema brasileiro, para trazer olhares ao cinema brasileiro, para chamar atenção para mais investimento e leis pro cinema brasileiro, para difundir o cinema brasileiro externamente, para fazer a economia do cinema rodar, para dar luz e evidência ao cinema brasileiro, para a carreira de profissionais brasileiros, para dar um imaginário coletivo positivo pro cinema nacional, e por aí vai. Um Oscar não faz de Ainda Estou Aqui um filme fantástico, não faz com que ele não possa ser criticado negativamente ou o torna um dos melhores filmes brasileiros de todos os tempos ou fazer ele mais superior que outros filmes brasileiros e internacionais que nunca chegaram ao Oscar ou qualquer coisa assim, porém assegura a ele um papel histórico importante e finalmente retira da gente essa pressão idiota de “não termos um Oscar”. E que tenhamos mais filmes – bons e ruins – em premiações pelos motivos que eu disse. E é necessário se aproveitar da curiosidade e oportunidades causadas por esse Oscar pra cultivar um maior contato e intimidade das pessoas com o cinema brasileiro, enraizar isso, levando-as a conhecerem filmes, cineastas e artistas brasileiros que nunca passaram pelo Oscar e nem nunca passarão por lá e nem têm essa necessidade. E não deixar isso ser só um modismo específico de filmes específicos que participam de um “oba oba” de premiação e que furam a bolha, e nem fazer e ver filmes com a mentalidade de premiação como foco ou um valor, ao invés de uma possibilidade de cenário a ser trabalhada, que é o que é e como deve ser tratada.