Crítica: Kasa Branca
Kasa Branca – Ficha técnica:
Direção: Luciano Vidigal
Roteiro: Luciano Vidigal
Nacionalidade e Lançamento: Brasil, 2024 (Festival do Rio)
Elenco: Daniel Braga, Gi Fernandes, Diego Francisco, Ramon Francisco, Big Jaum, Teca Pereira.
Sinopse: Dé, Adrianim e Martins são adolescentes negros da pereferia do Rio de Janeiro. Quando Dé recebe a notícia de que sua avó está em fase terminal de Alzheimer, decide aproveitar os últimos dias de vida com ela, junto com seus melhores amigos..
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Muito mais do que um cinema puramente social, os filmes brasileiros têm um olhar sempre aprofundado para a compaixão. E isso ocorre seja em situações desfavoráveis ou até mesmo em circunstâncias melhores economicamente. Em um país empobrecido, é natural que a união de grupos e até mesmo de classes seja uma ferramenta de colaboração e amor, elementos tão reconhecidos do povo brasileiro.
Trazer essas características dentro dos longas não é algo fácil. Exige uma conexão profunda dos personagens com o público, ou seja, fazendo eles serem extremamente bem escritos e desenvolvidos. É essa questão a chave para o desenvolvimento de “Kasa Branca”, de Luciano Vidigal. E por qual motivo os amores são tão centrais? Porque a história é marcada pela relação de Dé (Big Jaum), um adolescente negro que vive de um lado para outro cuidando da avó, que está em fase terminal da doença de Alzheimer. No entanto, ele nunca está sozinho, e sempre conta com o apoio dos amigos Martins (Ramon Francisco) e Adrianim (Diego Francisco).
A relação de amor e ajuda mútua entre os amigos é o ponto central do filme de Vidigal. Ele estrutura a própria construção cênica a partir disso, dando destaque para os momentos de caminhada dos três – sempre com eles ao centro e, em muitos casos, como único foco da lente – e para a conexão desses personagens com o ambiente, a periferia da da Chatuba, em Mesquista, no Rio de Janeiro. Diferente de um ambiente criminalizado, o que é possível observar é como este é um local de amor entre as pessoas, capazes de fazer de tudo para ajudar umas as outras.
“Kasa Branca” gira em torno desse ciclo e não constrói em nada um desenvolvimento melodramático de Dé com sua vó. A morte é iminente, vai ocorrer, o mais importante é a forma como ela pode acontecer. E o neto vai atrás de trazer os melhores recursos e possibilidades – novamente, nunca sozinho. É um pouco da ideia do herói coletivo difundida por Héctor Germán Oesterheld, em que as histórias não serão resolvidas por apenas uma figura individual, que será o responsável por tudo, e sim pelo conjunto social que irá fazer uma transformação.
Longe do longa aqui analisado poder ser tratado como revolucionário, no sentido mais ideológico da palavra. A sua revolução se centra bem mais no fraterno e de como o cinema pode ser uma ferramenta de compreensão do outro. Não a toa, o foco nas interpretações sempre em torno dos olhares, das brincadeiras e nunca ao lado da catarse – o clímax é praticamente todo em silêncio, onde apenas os olhares consolidam a relação dos três. É um universo de amor na qual transforma um longa extremamente complexo nas próprias discussões em quase um feel good movie, na qual Vidigal traz seu olhar quase de uma forma antropológica, em que faz o público fazer parte desse cosmo.
O grande problema é em como “Kasa Branca” parece tão focado nesses microdesenvolvimentos que deixa de lado um pouco o macro, o próprio olhar narrativo. Até mesmo a figura da avó é um ser um tanto quando deixado de lado quando convém e lembrado em outros. Da mesma forma, os três personagens têm seu desenvolvimento entre eles, porém muito pouco fora desse âmbito – inclusive, duas sequências tentam trazer laços emotivos e dramáticos que são apresentados sempre rapidamente. Parece que o olhar é tão centralizado no fraterno que esquece a sua própria consolidação dramática.
Mesmo assim, a obra se sobressai em seus melhores instantes e acaba sendo um olhar extremamente apaixonado pelas conexões familiares. Elas são parte central de um cosmo reconhecido dentro das classes pobres e das comunidades do Rio, em que é necessário sempre cuidar dos mais velhos, responsáveis pela maneira como os mais jovens chegaram até o momento. Luciano Vidigal faz de sua narrativa uma trama, acima de tudo, sobre reconhecer o amor pelo outro.
Nota: 3/5