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Crítica: Nosferatu (2024)

Nosferatu – Ficha técnica:
Direção: Robert Eggers
Roteiro: Robert Eggers 
Nacionalidade e Lançamento: Estados Unidos, 8 de novembro de 2024 (2 de janeiro de 2025 no Brasil)
Elenco: Lily-Rose Depp, Nicholas Hoult, Bill Skarsgård, Aaron Taylor-Johnson, Willem Dafoe, Emma Corrin, Ralph Ineson.
Sinopse: Um conto gótico de obsessão entre uma jovem assombrada na Alemanha do século XIX e o antigo vampiro da Transilvânia que a persegue, trazendo consigo um horror incalculável.

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por Cláudio Gabriel

Quando foi anunciado, em 2015, o remake de “Nosferatu” do cineasta Robert Eggers nascia cercado de expectativa. Por um lado, era um realizador proeminente no cinema americano, com o seu recém-lançado sucesso “A Bruxa”. Por outro, era uma nova versão do clássico filme de 1922 e a primeira – até aquele momento, já que uma outra foi lançada um pouco antes da estreia desse, em 2023, sob direção de David Lee Fisher – feita nos Estados Unidos.

Entretanto, o projeto demorou a caminhar. Primeiramente porque o diretor afirmou que ainda não se sentia pronto, preparado. Depois, pela dificuldade de iniciar realmente a produção, com alguns nomes envolvidos no elenco que acabaram saindo – entre eles Harry Styles e Anya Taylor-Joy. Tudo culminou para que o longa fosse apenas lançado no fim de 2024 nos cinemas americanos e agora, em 2025, nos brasileiros.

Enquanto um realizador que se mostrou sempre interessado pelo cinema de horror clássico, em especial dos anos 1960 e 1970, ele segue o caminho de não alterar nada, a priori, na trama de “Nosferatu”. Dessa forma, acompanhamos um casal formado por Thomas Hutter (Nicholas Hoult), um homem que tem como objetivo ganhar renome em uma agência imobiliária na qual trabalha em meio a Alemanha dos anos 1800. Para isso, é chamado a uma missão vender uma residência para um estranho conde chamado Orlok (Bill Skarsgård), que vive em uma área isolada na Transilvânia. Entretanto, o que Thomas não sabe, é que esse estranho ser tem uma conexão antiga e profunda com sua esposa, Ellen (Lily-Rose Depp).

Caso você nunca tenha visto nada sobre essa história, mas conheça razoavelmente a literatura de terror ou até mesmo já tenha assistido a algum filme do “Drácula” pode ter estranho a semelhança. Pois é, o projeto original, dirigido pelo alemão F.W. Murnau, é uma cópia descarada da história de Bram Stoker. Sem conseguir os direitos de adaptação na época, a produtora resolveu criar um roteiro próprio, mas com as inspirações bem evidentes. Resultado? Um processo da esposa de Stoker – falecido na época – e vitorioso.

Dito isso, é inegável que “Nosferatu” ganhou a cultura popular de uma forma meio diferente de “Drácula”, com suas muitas versões para o cinema desde 1931. O primeiro citado teve uma trajetória menos frenética, com apenas uma outra grande adaptação – a de Werner Herzog, de 1979. A construção desse universo e do próprio personagem sempre se venderam bem mais pela imagem esquisita do que propriamente por algo diferencial.

Eggers tenta se usar desse elemento como um motor chave para o andamento da sua narrativa. Porém, diferente dos outros, busca uma construção atmosférica muito atrelada a uma fotografia que varia de um tom saturado até um preto, quase impossível de assistir (um trabalho da direção de fotografia de Jarin Blaschke). Com isso, Orlok é visto pelo público muito mais através de suas silhuetas e de pequenas partes do corpo do que inteiro, pronto para atacar – a sequência final é uma espécie de grande revelação dele, nesse sentido.

A consolidação desse vampiro vem através da sua voz, que busca sempre reforçar um papel quase fantasmagórico. O diretor brinca com essa presença de forma extremamente irônica nas cenas dentro do castelo de Orlok, já que, a todo instante, contrasta os planos abertos, quando o público acompanha Thomas, com os fechados, quando se aproxima do vilão. Quando a narrativa retoma para a Alemanha, essa justaposição perde um pouco da força para dar espaço a um terror bem mais direto, que até se utiliza de jump scares em alguns instantes.

“Nosferatu” caminha, por isso, de uma forma meio irregular, quase construindo dois filmes em um, mas que parecem quase nunca conversar. Em um primeiro momento é uma trama soturna, inspirada diretamente no gótico. No segundo, é um horror frontal, que quer chegar próximo do choque em muitos momentos.

Parte dessas conexões se encontram na personagem de Ellen, que, inclusive, gera a maioria dos debates relativos à obra. Afinal, ela foi “possuída” por Orlok quando ainda era nova – sua idade não é especificada – e ele busca ir até a cidade atrás apenas dela e de seu corpo. Eggers assume uma visão até meio arriscada da narrativa, ao deixar claro que existe um abuso da maneira como o vampiro se “apossua” dela. Ao mesmo tempo, Ellen é uma mulher quase deixada de lado pelo marido, chegando a reclamar do fato dele tentar a venda. Em certo sentido – e algo reforçado por uma cena de sexo do casal -, Nosferatu é uma possibilidade dela construir seu próprio desejo sexual, algo quase instintivo e pouco racionalizado.

Tal ideia vem diretamente da literatura de vampiros, que sempre se usou da ideia sexual vampiresca (através dos símbolos como a mordida no pescoço, a sedução, o controle e mais) como uma maneira de gerar uma discussão sobre liberdade sexual, em especial feminina. Se esse elemento é algo que chega próximo a ser renegado no original, aqui ele é uma espécie de peça-chave que conecta toda a narrativa, voltada a discutir diretamente o prazer, seja pelo lado da felicidade – quando envolve algo diretamente sexual -, seja pelo caráter antagônico – quando Orlok busca prazer no controle.

O debate faz o filme até remontar bastante o trabalho de Claire Denis em “Desejo E Obsessão”, de 2001. Entretanto, se ali isso era o centro narrativo, aqui esse elemento soa quase confuso na forma que Eggers realiza, altamente instável. A atmosfera pode ser seu ponto central, mas também ser algo completamente renegado em outro período.

Essa confusão de ideias e conceitos transforma todo o fim de “Nosferatu” em uma espécie de caos particular. Ao mesmo tempo que o filme reforça esse elemento de confusão, essa mesma sensação se transforma em parte do longa, que parece não saber bem como resolver diversos pontos que vai levantando, como a discussão sobre ciência e fé e a própria transformação de desejo sexual em Thomas.

Com isso, o terror, apesar de bem estruturado, parece sempre capenga nas diversas pernas que tem para se sustentar. O público pode apenas se sentir grato por novamente poder assistir a tão clássica história nas telonas.

Nota: 3/5

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