Crítica: Todos Tempo que Temos - Cinem(ação): filmes, podcasts, críticas e tudo sobre cinema
2 Claquetes

Crítica: Todos Tempo que Temos

Todo Tempos que Temos – Ficha técnica:
Direção: John Crowley
Roteiro: Nick Payne
Nacionalidade e Lançamento: Reino Unido, França, 2024
Elenco: Andrew Garfield, Florence Pugh, Grace Delaney, Lee Braithwaite, Aoife Hinds, Adam James.
Sinopse: Após um encontro inusitado, uma talentosa chef de cozinha e um homem recém-divorciado se apaixonam e constroem o lar e a família que sempre sonharam, até que uma verdade dolorosa põe à prova essa história de amor.

.

Dois atores carismáticos não são suficientes para sustentar um bom filme, embora pareça ser nisso que John Crowley e Nick Payne, diretor e roteirista, respectivamente, acreditam. O recém-lançado Todo Tempo que Temos, apresenta um drama romântico de quase duas horas de duração que parece ter mais tempo que o necessário, além de apostar numa narrativa não-linear para dar a sensação de complexidade numa história que é qualquer coisa. Mesmo sendo perceptível alguma dedicação da realização, ela não evita deslizes consideráveis de um roteirista e diretor fora de sintonia, que poderiam muito bem ter jogado no seguro e conseguir algo minimamente mediano. 

A forma como o romance dos pombinhos começa é engraçada. Tobias (Andrew Garfield) estava voltando do supermercado depois de comprar canetas para assinar seu divórcio e ao atravessar a rua é atropelado por Almut (Florence Pugh). Desse episódio nasce uma grande paixão. Me lembrei imediatamente da frase de Clarice Lispector, em uma de suas pouquíssimas entrevistas concedidas: “Seria muito engraçado se um táxi me pegasse, me atropelasse e eu morresse”. Porém, o filme não inicia necessariamente neste ponto. Almut já está morando com Tobias, um corte sem sentido nos leva para ela tendo contrações na gravidez e em seguida indo ao médico e descobrindo que está com câncer. Mais telegrafado do que isso é impossível, mas tudo bem.

Todo Tempo que Temos não é ruim apenas por ser previsível e utilizar da cronologia não linear para trapacear sua história simplória. O maior problema dessa empreitada de John Crowley é justamente em ser ele o diretor e suas escolhas desengonçadas nos planos, na narrativa e com o roteirista Nick Payne, que aposta apenas no sofrimento da personagem feminina. Ela é resumida em saber cozinhar –  já que é chefe de cozinha – e em uma vida de sofrimentos intensos. É uma personagem que parece viver com dores, e essas dores são instrumentalizadas para tentar dar profundidade a algo extremamente raso, já que nunca sabemos mais nada sobre a vida dela. Ao final, para piorar, quase somos forçados a chorar, tamanha manipulação da despedida que se anunciava nos minutos iniciais. 

Essa é uma escolha no mínimo esquisita. Perceba que o ponto não é ela ter câncer e sofrer com isso, mas a forma que essas coisas acontecem. Almut, nas mãos do roteirista e diretor, parece uma personagem instrumentalizada no sofrimento. Descobrimos mais da vida dela, justamente porque ela sofre. Enquanto isso, Tobias é um engomadinho obsessivo completamente apaixonado que apenas está do lado dela – pelo menos isso. O fato, me parece, é que Todo Tempo que Temos, seria um filme muito melhor se fosse roteirizado e dirigido por uma mulher. E não é por uma questão de sensibilidade, mas uma questão de bom senso. Faltou bom senso e quase chegou no mau gosto. 

É estranho tudo isso, visto que John Crowley tem no currículo, o razoável Brooklyn (2015) e um dos melhores episódios da última temporada de Black Mirror: Beyond the Sea (2023). Já o roteirista Nick Payne eu particularmente nunca tinha ouvido falar e foi péssima minha descoberta. Talvez, a união de um diretor mediano como Crowley e um roteirista inferior como Payne, tenha sido uma das piores junções possíveis dessa temporada de filmes de 2024. Pelo menos não dá para atribuir deslizes a Florence Pugh e Andrew Garfield. Eles, de verdade, pareciam acreditar no que estavam fazendo. A credibilidade desse projeto só não cai por terra totalmente, graças ao carisma e competência dos dois. Tanto é, que eles conseguem driblar até a direção de fotografia mixuruca de Stuart Bentley que parece ter dificuldade de compor um quadro minimamente decente.

Se pensar com cuidado, é possível ter raiva de algumas cenas, e ter raiva com esse tipo de filme parece quase impossível, mas conseguiram. A cena do parto dentro do banheiro de uma loja de conveniência é tão incômoda, por exemplo, que chega a ser ofensiva. No cinema, você atribuir situações ao acaso é uma coisa relativamente simples, até porque, sim, se for a hora, a criança nascerá, gostemos ou não. Mas já vínhamos de uma longa jornada de sofrimento, e ela, que até minutos atrás dizia não querer ter filhos, após um salto temporal está parindo, e em um banheiro de posto de gasolina, é muito desconfortável. Utilizo essa cena para sustentar minha hipótese de que os realizadores fizeram de Almut uma personagem instrumentalizada para o sofrimento, e não descarto a hipótese de ser para o gozo deles.

Fora tudo isso, tem o câncer que, não ironicamente, é o menor dos problemas. É relativamente respeitosa a forma que fizeram. Existe tempo e reflexão sobre o processo de tratamento, as angústias da quimioterapia, o cansaço, a falta de disposição e a decisão de continuar vivendo pelo tempo que restava. Nesse tempo em que o verdadeiro tempo conta, as coisas fluem bem. Embora outros pontos de inflexão na vida de Almut criem a impressão de complexidade e desenvolvimento, não é bem assim que as coisas funcionam. No final, parece um amontoado de acontecimentos sem o tempo necessário para a elaboração. Se essa história fosse contada de forma linear, muito desse incômodo e raiva poderiam ser evitados.Todo Tempo que Temos seria outro filme se tivesse sido escrito e dirigido por uma mulher (estou repetindo esse ponto, pois me parece óbvio a diferença que seria). O desconforto ao longo da narrativa não se dá pela história que está sendo contada, mas pela escolha de planos e ângulos muito masculinos, colocando nossa protagonista em uma posição fetichista de sofrimento. Se existe uma sorte nisso tudo, é o esforço que Florence Pugh e Andrew Garfield demonstram em tela. A pobreza criativa dos realizadores fica visível quando apostam numa trucagem desonesta na montagem para atribuir complexidade onde não existe, aumentando o desânimo em continuar assistindo a um filme que tinha tudo para ser um bom drama de relacionamento e acasos da vida. Em linhas gerais, Todo Tempo que Temos não chega a ser totalmente desonesto pois é possível ver esforço e até sinceridade na história contada, mas só não cai na desonestidade por pouco, muito pouco.

  • Nota
2

Deixe seu comentário