Crítica: O Brutalista (The Brutalist) – 48ª Mostra de São Paulo - Cinem(ação): filmes, podcasts, críticas e tudo sobre cinema
Críticas

Crítica: O Brutalista (The Brutalist) – 48ª Mostra de São Paulo

Ficha técnica – O Brutalista (The Brutalist)
Direção: Brady Corbet
Roteiro: Brady Corbet, Mona Fastvold
Nacionalidade e Lançamento: Estados Unidos, 2024
Sinopse: A história de vida do arquiteto László Tóth, que depois de vivenciar os horrores do Holocausto, imigra para os Estados Unidos onde conhece as tentações e os horrores do “sonho americano”.

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O desejo de Brady Corbet pelo “épico americano” acaba levando a versão mais caricata dele. É o típico filme que faz a gente apreciar ainda mais a existência do Paul Thomas Anderson, alguém que faz esses estudos de personagens ambiciosos, grandiloquentes e pesados refletindo períodos específicos dos Estados Unidos, mas que consegue fazer isso de maneira fluida, humana e bem desenvolvida, o que torna seus filmes autênticos, tudo que o filme do Corbert não é. Assim como é o típico filme que faria Elia Kazan, Michael Cimino, George Stevens, King Vidor ou Sergio Leone se revirarem nos seus respectivos túmulos se eles vissem o caminho que o “épico americano” tomou nas mãos de Corbert. Em como ele não entendeu tudo que o Coppola entendeu lá nos anos 70.

Aqui temos ao mesmo tempo um abacaxi do drama histórico épico, prestigioso, ambicioso e denso estadunidense que segue uma tradição do cinema clássico dos Estados Unidos com uma visão mais sombria dele buscando a desconstrução do “sonho americano” (e aí dá pra pensar numa tentativa – ênfase no “tentativa” – de filiação do filme ao cinema do Paul Thomas Anderson, os “O Poderoso Chefão” do Coppola ou “Era Uma Vez na América”), assim como também temos um filme de prestígio americano mais “europerizado” com apelo pros festivais internacionais cheio de tendencias estéticas e formais mais expressionistas – abandonando um certo classicismo ligado a esse tipo de cinema – (o que pode remeter a um Terrence Malick por vezes) e claro que isso leva ao fato que também temos o filme de época auto–importante e engessado com pretensões de Oscar (algo que seria ligado a Miramax dos Irmãos Weinstein nos anos 90 e 2000) e que aqui pra se diferenciar da neutralidade com que geralmente é encarado acaba adotando essas duas esferas anteriores mais como um disfarce, um truque, do que como uma abordagem de fato.

Nenhuma dessas abordagens é automaticamente “errada” ou “ruim” mas um dos grandes problemas de “O Brutalista” (“The Brutalist”) no mar imenso de problemas que ele tem é que ele é o resultando ambulante da versão mais caricatural, distorcida e forçada possível da junção de um fã tonto da Nova Hollywood e um fã tonto de cinema europeu se unindo entendendo o que essas tendencias de cinema tem a partir dos que elas apresentam de mais simplório. Começando pelo roteiro onde nos focamos na história do imigrante judeu László Tóth (Adrien Brody) que vem para os Estados Unidos depois de sofrer no Holocausto e vê a sua versão do “sonho americano” sendo desconstruída e isso é contado em quase 3 horas e meia – com direito a um intervalo pra remeter ainda mais esse “cinema clássico” do passado – com a intenção de ser um conto épico onde ele sofre desilusões, dificuldades, apresenta um caráter duvidoso, se torna um arquiteto requisitado ao conhecer o magnata Harrison Lee Van Buren (Guy Pearce), consegue trazer sua esposa Erzsébet Tóth (Felicity Jones) para o seu país e se vê ainda mais corrompido pelo mundo dos Van Buren até romper com a lógica sombria que eles representam.

O porém disso tudo é que o filme nunca desenvolve essa narrativa de fato, ela permanece todo o longa–metragem em 3 horas e meia extremamente fragmentada, sem nunca dissecar ou investigar quem aqueles personagens são, as suas relações, o que eles representam, os seus atos, os seus conflitos e por aí vai. As suas características psicológicas são jogadas de maneira didática e nunca vemos os personagens interagindo ou a história andando de um modo onde isso não seja puramente burocrático ou cortado para que o filme tenha momentos de impacto completamente jogados e simplórios evidenciando em cenas chaves relacionamentos, questões dos personagens e conflitos que ele jamais se debruçou, se focou ou desenvolveu. Porque não existe em momento nenhum um filme que se debruça de fato pelas figuras de Brody, Pearce ou Jones e sim existe um filme que usa eles como meros fantoches para momentos de impactos vazios que acabam não tendo peso justamente porque não existiu uma construção anterior que levasse a isso.

E as decisões para marcar quem são os personagens acabam sendo as mais simplórias possíveis levando até a um mal gosto extremo. Como mostrar a dominância de um personagem a outro e como um é refém do outro? Com uma trama de estupro completamente desprezível e constrangedora que acaba caindo de para–quedas justamente também – além da escolha pobre e de mal gosto de um estupro para esses fins e de como isso é colocado por si só – porque ele nunca desenvolveu a dimensão do relacionamento daqueles personagens, o que faz com que a cena não tenha peso nenhum. E tudo filmado com aquele fetiche de “choque” e uma gravidade de impacto a partir disso, o que deixa as coisas ainda mais de mal gosto e nojentas. O que também acaba sendo asqueroso é uma parcela do próprio discurso do filme flertando fortemente com o sionismo em como apresenta a visão idealizada e nacionalista dos personagens buscando e sonhando viver em uma Jerusalém ocupada por Israel como um reflexo de uma “terra idílica”, deles por direito e abandonando os vícios de um Estados Unidos corrompida idealizando a criação de lá. Mas para além do discurso extremamente problemático tematicamente e das questões de mal gosto, existe uma frieza e uma distância tão grande em como os personagens são construídos que além da suas vivencias, características e experiencias serem fragmentadas, elas são completamente artificiais também. A violência estrutural, sensorial e o mal–estar que o filme tanto quer atingir e comentar é superficial e nunca desenvolvida. As explosões emocionais daquelas figuras acabam não tendo autenticidade justamente por isso, são gritos, sofrimentos e choros vazios, só sobrando a apelação superficial de personagens rasos e que são interpretados por ótimos atores – o trio Brody, Pearce e Jones – que estão extremamente caricatos, exagerados e forçados por conta da direção de Corbert. Não que eles estejam ruins, estão todos bem (apenas isso), mas são prejudicados pelo teor apelativo ao redor deles e de como são conduzidos.

E aí que entra um fator central pro desastre que é O Brutalista, que acaba sendo toda a encenação de Corbert. Estamos falando de um filme rodado em VistaVision 35mm e digitalizado em uma resolução equivalente ao 70mm, com uma fotografia e um trabalho de iluminação super carregado para embelezar e ressaltar toda o encontro entre sujeira e beleza ao redor do mundo áspero dos seus personagens e onde temos um capricho de produção e direção de arte na reconstituição do passado num modesto orçamento de 10 milhões que parece muito elegante e grandioso, porém infelizmente nada – nada mesmo – disso faz nenhuma diferença pro resultado geral. Porque tudo acaba culminando e sendo usado pra um fetiche tecnicista, estético ou então uma apatia vazia pela forma que esses fatores são organizados pelo diretor. Porque a direção de Corbert se alimenta de uma técnica grandiloquente o tempo inteiro em seus contra–plongeé, sua câmera subjetiva, câmera na mão seguindo os personagens, a câmera que anda com os personagens nos seus ombros (over the shoulder), a trilha sonora opressiva de piano tocando em todos os momentos implorando uma dramaticidade, a filmagem de frente das estradas e até momentos de estilização visual como a cena de sexo entre Jones e Brody mas nada disso
corresponde a nenhuma unidade ou uma decupagem eficiente. É só um virtuosismo técnico e estético barato jogado sem uma proposta de mise–en–scène (encenação).

Toda a encenação é organizada de modo engessado, sem vigor, frio, óbvia (a Estátua da Liberdade vista numa subjetiva é um dos tantos exemplos disso) e até incompetente em como usar os elementos que tem ao seu redor. O Adrien Brody surge saindo seu navio na cena inicial com a câmera fechada nele num plano contínuo o seguindo por trás, o que sacrifica todo o uso do cenário ao redor dele para compor a cena já que não conseguimos ver nada além dele enquanto a câmera o segue vendo a grandiosidade do país que ele chega. O valor de produção está lá e o capricho da direção de arte também, mas tudo é sacrificado pela incompetência da direção que não consegue se utilizar bem dessa escala. É o escopo pelo escopo, a beleza pela beleza, distrações baratas, truques baratos, o vazio sem uma encenação de fato. Os planos abertos e gerais que o filme tem para destacar o seu lado mais “épico” são rápidos e encerrados de modo súbito sem que ele possa se debruçar pela grandiosidade dos seus territórios, enquanto isso o filme se foca em se contentar em demonstrar essa grandiosidade em longos planos médios americanos contínuos que deixam a coisa ainda mais apática. O lado solene, sombrio e austero formalmente que o filme quer acabar sendo meramente apático, frio e engessado por uma falta de foco e particularidade total nos seus objetivos, enquanto o lado formalmente vigoroso que ele também quer o tempo inteiro acaba sendo caricato e até constrangedor em excessos que ele não domina. Uma pose. A tortura termina de vez com um epilogo – pessimamente filmado em digital pra enfatizar uma diferenciação óbvia do resto e com todos os tiques de filmagem possíveis desde aquela subjetiva inicial do barco – que esfrega com força na nossa cara e diz exatamente com todas as letras didaticamente o que vimos e o que filme queria que sentíssemos com ele e com o seu personagem. Algo apropriado pra um filme quer parecer inteligente mas é exatamente o contrário, um filme quer parecer “grande cinema” mas é o oposto disso, um filme que quer parecer violento, reflexivo e denso mas nunca desenvolve os temas e os personagens para se chegar nisso e por aí vai. Um filme patético e até perverso que quer parecer muita coisa mas é um grande nada.

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