Eu Cinéfilo #73: Crítica – Uma Natureza Violenta
Uma reformulação artística do slasher clássico
Ainda que “Uma Natureza Violenta” (In a Violent Nature), dirigido pelo cineasta britânico Chris Nash, preste uma homenagem altamente visível ao slasher clássico dos anos 1980, de clássicos como “Sexta-feira 13” (1980) e “Halloween” (1978), todo esse espírito e essa noção saudosista e nostálgica são usados como o chão que sustenta a premissa característica dos clássicos do terror. Conseguimos perceber até uma pequena similaridade em certos traços da trama e da narrativa, conceitos-chave que, em primeiro momento, já interligamos e remetemos ao estilo clássico do slasher que se popularizou.
Tendo isso em vista, sinto que Chris Nash procurou oferecer uma reformulação contemporânea, com pinceladas delicadas de aspectos abstratos que irão destoar do óbvio e até da própria nostalgia espelhada por um público que cresceu naquela época. É uma fadiga consolidada pelo subgênero; o próprio cineasta sente esse cansaço. Logo, com a faca e o queijo na mão, ele subverte percepções, dando lugar a algo mais perceptível, eliminando o dinamismo frenético característico na narrativa e nos planos do filme.
Por ironia do destino, o minimalismo estilístico vai ser em prol daquilo que atormenta alguma pessoa. Fundamentalmente, a claustrofobia vai entrar nisso tudo e fazer parte quando percebemos as situações em que aqueles personagens se encontram. O cenário futuro daquela floresta se tornará quase um abatedouro. Os animais que serão abatidos serão os próprios jovens, e a pessoa que vai abater os animais está com uma faca amolada para realizar o corte com mais precisão. Aqui, uma floresta sombria e, ao mesmo tempo, verdejante vai ser o templo sede do derramamento de sangue. São duas situações inversas que se encaixam com a subjetividade e a ambiguidade que o filme compartilha. E, para fazer jus ao clássico, o protagonista será um assassino com uma machadinha, com ódio de jovens que estão com hormônios à flor da pele.
Eu não acho que tudo isso vai soar como uma mesmice do subgênero que se replica infinitamente. Eu gostei de como todo esse pensamento conceitual por trás do filme vai distanciar o longa-metragem dos demais slashers lançados no ano. Isso acaba se tornando ousado e inventivo ao mesmo tempo que, numa primeira impressão, parecerá um plágio descarado. Estou me referindo ao modo como Chris Nash utilizará a própria floresta como um labirinto caótico, ou até mesmo um abatedouro, como foi citado anteriormente. As vítimas são os animais, animais que estão perdidos na mente do homem. O homem que vai abater esses animais é o assassino, o agente do caos que se alimenta do sangue dessas vítimas, alimentando e aumentando ainda mais a sede que o filme tem por sangue.
Há algumas semanas, eu acabei lendo algumas notícias sobre esse filme em portais noticiosos e percebi que existem críticos de cinema e analistas que estão chamando o longa-metragem de Chris Nash de “slasher cult”. Eu mesmo, pessoalmente, concordo com boa parte do que eles dizem sobre o trabalho, principalmente com a cinematografia e os métodos que compõem o filme. Os métodos usados para filmar o assassino (o serial killer) partem de uma cartilha muito utilizada em jogos de videogame, que consiste em enquadrar e filmar as costas do personagem, respeitando a sua privacidade. Com isso, o filme estabelece uma conexão voyeur com o protagonista; observamos e analisamos seus movimentos, escutamos seus passos pisando nos galhos secos daquela mata. Portanto, criamos uma conexão às cegas com ele, pois sabemos que ele está ali, mas ele próprio não sabe que há alguém estudando seus movimentos.
Por mais que todas essas unidades criem uma reverência ao próprio serial killer, todo esse respeito que criamos por ele é desfeito com o objeto que ele mesmo cobiça. Algo que é muito comum nesses filmes é que esses brutamontes e assassinos tenham um objeto ou até mesmo um passado como uma barreira que faça com que eles parem com tudo aquilo e voltem a ser racionais e sentimentais. No filme, o objeto de sede de posse é um colar, uma joia que remete à infância do assassino, um passado que, de certa forma, ainda o prende, fazendo-o de refém de suas próprias lembranças. Conseguimos perceber isso quando um dos jovens que estão acampando na floresta joga uma chave com um chaveiro em forma de carrinho. O chaveiro cai nas mãos do serial killer, fazendo-o tirar a máscara para enxergar a olho nu e cru aquilo que traz lembranças de sua infância. Se levarmos isso para um pensamento lacaniano, todo esse jogo ganhará muito mais sentido. Um objeto se torna algo de procura, algo que prende o indivíduo que o possui, como se fosse parte de seu corpo, de sua vida.
Todo esse teor brutal e gore que o filme tem prazer de exibir, por mais extremo que isso possa soar, se torna uma agulha no palheiro numa psique revirada pelo passado deturpado, um passado que é importantíssimo para a construção do caráter humano que é a infância de um indivíduo. O filme utiliza esse estudo psicanalítico e mescla com dilemas costumeiros do próprio subgênero.
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Texto escrito por:
Felipe Porpino Sobral
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