Crítica (2): Deadpool & Wolverine - Cinem(ação): filmes, podcasts, críticas e tudo sobre cinema
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Crítica (2): Deadpool & Wolverine

Ficha técnica – Deadpool & Wolverine
Direção: Shawn Levy
Roteiro: Ryan Reynolds, Shawn Levy, Rhett Reese, Paul Wernick, Zeb Wells
Nacionalidade e Lançamento: Estados Unidos, 2024
Elenco: Hugh Jackman, Ryan Reynolds, Emma Corrin, Mattew Macfadyen.
Sinopse: Wolverine está se recuperando de seus ferimentos quando cruza o caminho do tagarela Deadpool. Eles se unem para derrotar um inimigo em comum.

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Qual a natureza do cinema? O cinema é arte ou entretenimento? Uma pergunta que pode parecer complexa na história do cinema, para os americanos, como tudo em suas vidas, é na verdade bem simples: o cinema é capital. Dito isso, o suficiente para caracterizar um filme digno de ser produzido para as telas é, acima de suas intenções artísticas, a sua projeção da bilheteria, ainda mais quando falamos sobre um filme da Marvel Studios. Assim, podemos superar o primeiro ponto a ser abordado sobre “Deadpool e Wolverine”: é um filme para fazer dinheiro, claro, e nisso todos concordamos.

Desde 2008, o fenômeno do MCU se instalou nos cinemas e nas plataformas de streaming com mais de 30 obras diferentes. Em suas cinco fases, o universo construído para habitar seus personagens mais paradigmáticos rendeu ao conglomerado Disney dinheiro suficiente para adquirir a FOX. Sendo o lucro maior objetivo de todos os filmes e séries, é inquestionável que suas intenções foram bem-sucedidas uma vez que até os filmes reconhecidamente mais fracos se sustentam em bilheteria pela construção de um universo “em cadeia”: é preciso ver esse filme pois existem duas ou três cenas, um ou dois personagens os quais serão importantes para os próximos. É necessário manter a roda girando.

O que é esperto demais, na verdade, já que para assistir “Deadpool e Wolverine” é desejável (leia-se, desejável e não necessário) que você conheça conceitos e referências, em geral, advindos de filmes que vão além dos antecessores Deadpool 1 e 2 e se estendem para toda uma cronologia envolvendo Logan (2017), todos os três X-Men, os filmes dos Vingadores, Doutor Estranho no Multiverso da Loucura (2022) e a série Loki (2 temporadas). Para dizer o mínimo, tirando aqui a importância de saber pelo menos quem são os principais personagens do Quarteto Fantástico, só pra não ficar “boiando”.

O filme do “Jesus da Marvel” é predominantemente, portanto, uma junção dos dois fatores anteriores que se fundem: um desejo de lucro que requer (e se confia em) uma quantidade infinda de fan services. Uma nostalgia saudosista sobre o universo Marvel que olha para trás antes de olhar para frente, com pouquíssima imaginação, usando a máscara de um filme que não se leva a sério e que por isso, bobinhos!, é autoconsciente de sua própria pequenez. Afinal, a piada central do filme é, de fato, sua incapacidade em ser uma obra de mínima qualidade e que entende comédia como algo assumidamente “menor”, por isso feita com pouco ou nenhum esmero.

O que eu sempre gostei de Deadpool é como seu humor desdenha da Marvel e de Hollywood como um todo (o uso de “Curtindo a Vida Adoidado” continua sendo uma das melhores referências ao filme nos cinemas pra mim) e como esse desdém era bem utilizado dentro da história, aparecia de forma eloquente nos filmes e por isso seu efeito cômico funcionava. O que o terceiro filme faz é banalizar seu aspecto mais autoconsciente e autocrítico e, uma vez feito isso, achar que pode usar esses seus aspectos ora qualidades para justificar qualquer coisa, inclusive para se tornar aquilo que mais criticou.

Isso explica seus pontos mais fracos: um roteiro simplista, mas com subterfúgios fáceis na intenção de conceder uma mínima complexidade de dinamismo à história (flashforward, flashback), uma sucessão de piadas idênticas que se saturam com o tempo usando justamente a tal da (falso) autocrítica, cenas de ação com coreografias que perdem para filmes com até ⅓ do orçamento Marvel e um universo chapado, sem cor e sem vida, parecendo bidimensional, como a cereja do bolo (leia-se a cena inteira do Vazio, feia de doer os olhos).

Em sua versão dublada, por sinal, “Deadpool e Wolverine” também faz piada com a geração “mimimi” diversas vezes, transparecendo uma indignação com a “lacrolândia” que não iria gostar de uma cena por contar vieses pouco “feministas” ou com piadinhas “capacitistas”. O que dá para perceber, junto à defesa convicta da mediocridade do filme pelas redes sociais antes mesmo de assisti-lo, que os códigos desse universo vão para além das telas e dão vida a um cenário sintomático, com piadas internas e convicções, muitas vezes, cegas.

Para não dizer que não tem bons momentos, o filme tem cenas divertidas e alguns pontos altos como o uso cômico da trilha sonora bastante millenial que vai de Madonna a NYSNC, de Grease a Avril Lavigne e o momento em que decide abraçar sua natureza meio nonsense e se tornar uma completa breguice na sequência final, onde o auge para mim foi sem dúvidas a batalha de todos os Deadpool em uma sequência filmada da mesma forma que um videogame nos anos 90.

No entanto, no final das contas, é como se pelo fato de se propor a entregar nada, o filme tivesse orgulho em reverberar sua própria incapacidade. E os fãs, ultimamente, de reverberar seu contentamento com o mínimo. Para mim, cumprir a proposta de ser um filme medíocre não tem a capacidade de elevar um filme ao patamar de bom. Isso deveria ser lógico. “Deadpool e Wolverine” cumprir com a sua proposta de ser uma comédia é uma coisa, entender comédia como algo medíocre e feito de qualquer jeito é diferente.

Um filme se propor a ter um fan service é uma coisa, ser um filme fan service é diferente. Não se trata de construir um filme complexo, muitos ótimos filmes na história do cinema são exageradamente simples. Também não é sobre se incomodar com as homenagens e referências, é sobre usar isso como uma muleta narrativa o tempo todo. Para mim, todos os filmes recentes da Marvel se resumem a uma única e inquietante pergunta: se eu retirar o fan service e as milhares de referências às demais obras desse universo, o que sobra dessa equação ainda pode ser um bom filme? É isso que eu acho que não.

  • Nota
2

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